segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Fátima

A oração é um precipício, um abismo.De todos os níveis da existência, este não tem um suporte artificial. Não vale a razão, os sentimentos, a poesia. Está para lá do sensível, das aprendizagens, dos dados maneiristas. É uma filiação, uma descoberta pessoal, intíma, de sentido. Não é um desafogo, um vale de lágrimas, enxugar os desabafos. Está antes e depois. Quando rezo estou no tempo que ocupo agora, mas que não é o meu. É uma busca, uma travessa, uma relação. O drama de ser cristão é o drama da oração. De me ligar a Deus a partir do tempo que é o tempo de Deus e da minha provisoriedade. De saber que tudo que aprendi como pessoa e como homem não chega, é parco, sofrível, pequeno. Que os livros da escola, da filosofia, das viagens, do amor e da poesia são sobras. Que aquilo que sou é uma filiação. Que para entrar dentro dos meus actos, das minhas palavras, no ser inteiro, é necessário uma ruptura, falésia aberta. Entrar no oração e na Palavra é o risco, suprema fenda. Mas a história de cada vida é carregada de tojos de cimento, hangares de espera, de solidão e sobras de pão. A dor é não entregar o meu tempo ao tempo que é de Deus. Sentado, na noite funda, no santuário vazio, sobram-me os actos, as cordas da insciência.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo Gito!
Belissimo texto, tradução do que é caminhar...
de tudo aquilo que me(nos) grita cá por dentro... desta imensa dor de não ser fiel mesmo que o desejo de o ser seja imenso.
Vale-nos a Graça do Seu Imenso, esse sim, mesmo muito IMENSO e PERMANENTE AMOR.
Deus escreve-me cartas de AMOR todos os dias...
E neste blog encontro muitas delas!...
Bem Haja
ana