domingo, 25 de março de 2007

Fora de Estrutura

Não se trata de fazer-se valente com fanfarronices,
mas, isso sim,
de ter verdadeiro valor cristão para expor-se.


H U von Balthasar



Poder ser contra Poder

Finalmente chegou a nossa vez: nós, (os) fora de estrutura, na blogoesfera! Trata-se de gente que não obstante não vá às festas do poder, quer testemunhar a autoridade da sua reflexão; que não tendo as mordomias da cultura dominante tem, porém, outras aspirações, mais sérias; que embora não receba convites não deprime; que não sendo colocada, por conveniência, em lugares de decisão, não aceita, todavia, ser esventrada das suas convicções! Enfim, autênticos fora de estrutura, e por vezes, mesmo, fora da lei, quando esta se apresenta iníqua. Fora do aparelho do estado, também, que de per si, não julgam ser mau, mas que reconhecem anexado pelo inimigo. São, por isso, gente que se organiza em resistência, face à evidência da invasão, após o mortal atentado dos direitos do homem (mesmo do homem/mulher medido em milímetros!) de 11 de Fevereiro passado próximo. Agora, então, mais fora de estrutura que nunca.

Em ordem a clarificar a nossa identidade seja dito que somos todos católicos. Quer dizer, gente que recebe de Cristo a alegria de viver e que reconhece na Igreja o Corpo de Cristo, como o seu lugar no mundo. Corpo vivo como o de sua Mãe. Somos, portanto, gente que reconhece na fé o desafio da missão. Missão quer dizer história: lugar de responsabilidade face a Cristo, com Cristo, em Cristo. Ele que disse poder ser reconhecido na face do outro, sobretudo no mais pequenino.

Não somos de esquerda. Repudiamos os recursos habilidosos da demagogia que faz coincidir esquerda e futuro. Porque a demagogia é o timbre dos que falam sem vir do silêncio. Quer dizer, desse longo respeito por uma verdade que nunca se oferece aos que, no alarido dos interesses de uma qualquer mínima vantagem, a traficam. Porque ser solidário não é propriamente deter-se a elencar os comportamentos que a memória dos povos solenizou e assalta-los com o furor da vingança, vendo na tradição o fantasma da não suficientemente desmoronada Bastilha.

O próprio da esquerda é o desejo do progresso? Aí estão os exemplos dos conservadorismos marxistas a desdizê-lo. O próprio da esquerda é uma maior partilha de mais bens? Aí estão os exemplos dos países escandinavos cuja social-democracia mostra que cada donativo ao terceiro mundo é simétrico de um maior proteccionismo e hermetismo de sociedades altamente sofisticadas no fechamento sobre si mesmas.

Pensamos encontrar o denominador comum de toda a esquerda na ruptura com a tradição e na utopia como sentido da história. Nessa intransigente e violenta confiança no seu próprio protagonismo tornado antagonismo: ‘a nós o direito e o louvor por produzirmos um homem melhor. Cultura: inventar o homem novo. Em questões de ética não teremos piedade: não receberemos nada de ninguém. Sondaremos opiniões, manipularemos os factos e escreveremos novos códigos à medida do homem brilhante, aquele que criamos na excitação de ter sido lavado de qualquer traço de memória cristã’.

E assim a utopia justificará todas as distorções e amputações da realidade, fará de novas violências –o aborto, a eutanásia- hinos de humanismo, e em seu nome será complacentemente perdoada toda a alucinação do processo da história. Aliás, ‘apenas’ se pretendeu realizar o sonho do homem finalmente feliz, porque criado à imagem de uma utopia tornada rasto de sangue, na história... Na verdade, seja relembrado que o catolicismo não se mobiliza atrás de utopias. A Encarnação inaugura a história da santidade, o que é uma realidade bastante diferente… Por conseguinte, ser de esquerda é usar lixívia anti-católica.

Todavia, não nos reconhecemos na direita intelectualmente ociosa, que quer, sobretudo, a liberdade de iniciativa como absoluto, o estado fora da economia, a consciência individual como legitimadora do imperialismo do apetite, o direito de melhor bem-estar do ocidente como primeira lei do direito internacional e, por conseguinte, o catolicismo como horizonte protocolar sem influxo vivo no que acontece.

Reconhecemos a ordem como um bem. Que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13.1); que se a autoridade desdiz o direito natural se deslegitimiza; que a destruição da verdadeira autoridade não conduz a uma liberdade absoluta mas antes ao seu contrário, ie, à coação e violência; que a Pátria interessa porque nos sabemos com identidade, a honramos e não a desbaratamos; que a paixão pela liberdade convoca sempre a identidade; que as elites promovem a riqueza de uma comunidade, contra o igualitarismo que castra o protagonismo dos melhores, promovendo os iguais ‘melhor colocados’ à sombra do poder.

Sentimos o dever de nos defendermos perante a grande internacional da comunicação social. Trata-se desse imponente recurso de fractura com o cristianismo, tenaz agressor, por exemplo, de uma qualquer eventual e hipotética bondade da reflexão do magistério da Igreja, sempre apresentado como troglodita. Olhamos para a comunicação social sem reverência. Trata-se como que de um autómato da reflexão não profunda sobre os grandes temas que afectam o homem, sempre acelerada perante a urgência do espectáculo mediático.

Acresce que fora de estrutura é uma designação utilizada nalgumas comunidades terapêuticas para pessoas com problemas de toxicodependência. Diz respeito a alguém que deverá retirar-se do ritmo comum da casa para pensar, decidir-se em ordem a crescer e a assumir outra atitude face à existência. Também nesse sentido, portanto, os deste blogue estamos fora de estrutura: nós que nos reconhecemos envolvidos pelo ar tóxico desta comunidade chamada Portugal. Mas sentimo-nos também confrontados a ter que dizer presente. E é por isso que partilhamos com quantos nos leiam estas reflexões que desejamos sejam oriundas desse lugar prenhe de fecundidade e honra: o silêncio!

Mas isso não quer dizer que seremos formais na pose aprumada. Esperamos, na verdade, ter na sátira um recurso fustigante, capaz de arranhar os grandes com os atrevimentos do nosso bom humor. Pelo menos, que nos divirtamos a tentá-lo…Não nos faltam exemplos de mestres cristãos imbatíveis na arte da sátira e do sarcasmo. Dentre os mais recentes, lembramos Chesterton, Bernanos, Corção!

Todos vivemos por perto das andanças das comunidades terapêuticas. Daremos particular atenção ao que acontece neste âmbito.

E porque somos todos amigos esperamos ter neste blogue um testemunho dessa amizade. Nós que bem percebemos a palavra de stº Agostinho: ‘em todas as circunstâncias da vida humana, não há nada de amável para um homem que não tenha um amigo’!