sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A pusilanimidade e o maior drama da humanidade

Referindo-se a uma expressão do general Franco em resposta ao que um dos seus médicos lhe dizia acerca da grande confusão que poderia ocorrer em Portugal, onde poderia vir a correr muito sangue: “Não acredito nisso, os portugueses são muito cobardes”, diz Miguel Alvim, num artigo publicado ontem no jornal Público, que o que é certo é que o mesmo nunca nos testou e conclui que: “O verdadeiro exercício da liberdade faz-se na escola da responsabilidade, ou seja, da escolha e acção bem ordenadas, que só podem ser uma. Daí a dificuldade em não se ser pusilânime”.
Isto é escrito a propósito da maioria que em Portugal e Espanha preferiu um dia ser pusilânime – do latim pusillanime, de alma pequenina – e cobarde não se opôs à prática do aborto em determinadas condições.
Logo na página a seguir do mesmo jornal surge um outro texto escrito por Rui Tavares, intitulado “O maior drama da humanidade”, em que o seu autor escreve que o facto de D. José Policarpo – não deixa de ser desde logo significativo que o autor se refira ao Cardeal Patriarca como “José Policarpo” - na homilia do Dia de Natal designar o ateísmo como o maior drama da humanidade, só poderá ser entendido se o mesmo estiver a falar apenas para os fiéis e que «…esse é um dos problemas de falar para dentro e, em particular da “viragem europeia” que Bento XVI impôs ao Vaticano. Para poder combater a irreligiosidade na Europa, a prioridade passou a ser a doutrina, em detrimento dos problemas que realmente causam sofrimento à humanidade em todos os continentes».
Continua o mesmo autor, dando mostras claras da sua ignoratio elenchi (ignorância do assunto), que estas preocupações da Igreja não passam senão de discussões acerca do sexo dos anjos, isto é, questões de mera retórica: “…se os europeus virem a Igreja mais preocupada com jogos de linguagem do que com o sofrimento real, acabará por agravar ambos os problemas”.
Assim, está bem de ver, a Igreja “não vai lá” porque “a estratégia está errada”.
Apetece-me dizer: ainda bem que temos o Rui Tavares.
O drama desta gente é que ignora que faça o que se fizer, se for feito sem Deus e sem ser para Deus, mesmo que humanamente se considere um êxito, é sempre mal feito. Cria a ilusão que o homem pode fazer bem sem Deus e outra ainda pior: que aquilo que se faz é indiferente ao destino de cada um.
Fazer bem é escapar à pusilanimidade; é deixar que aconteça em nós o Fiat de outrora, assumindo conscientemente que a nossa grandeza consiste em compreender que “Deus é Aquilo maior que o qual nada se pode pensar”.
Deixar que o Maior conduza a minha vida é fazer Bem!


terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Natal

"Nalgumas representações natalícias da Baixa Idade Média e princípios da Idade Moderna, o curral aparece como um palácio arruinado. Ainda se pode reconhecer a grandeza de outrora, mas agora foi à ruína, as paredes caíram: tornou-se, isso mesmo, um curral. Embora não tendo qualquer base histórica, esta interpretação, no seu aspecto metafórico, exprime contudo algo da verdade que se encerra no mistério do Natal. O trono de David, para o qual estava prometida uma duração eterna, encontra-se vazio. Outros dominam sobre a Terra Santa. José, o descendente de David, é um simples artesão; na realidade, o palácio tornou-se uma cabana. O próprio David começara por ser pastor. Quando Samuel o procurou para a unção, parecia impossível e absurdo que semelhante jovem-pastor pudesse tornar-se o portador da promessa de Israel. No curral de Belém, lá precisamente onde se verificara o ponto de partida, recomeça a realeza davídica de maneira nova: naquele Menino envolvido em panos e recostado numa manjedoura. O novo trono, donde este David atrairá a Si o mundo, é a Cruz. O novo trono – a Cruz – é o termo correlativo ao novo início no curral. Mas é assim mesmo que se constrói o verdadeiro palácio davídico, a verdadeira realeza. Este novo palácio é muito diverso do modo como os homens imaginam um palácio e o poder real: é a comunidade daqueles que se deixam atrair pelo amor de Cristo e, com Ele, se tornam um só corpo, uma humanidade nova. O poder que provém da Cruz, o poder da bondade que se dá: tal é a verdadeira realeza. O curral torna-se palácio: é precisamente a partir deste início que Jesus edifica a grande comunidade nova, cuja palavra-chave os Anjos cantam na hora do seu nascimento: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama», ou seja, homens que depõem a sua vontade na d’Ele, tornando-se assim homens de Deus, homens novos, mundo novo."

Bento XVI,
Ontem, na Missa do Galo

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Soneto Esquecido

O sino clama, sua voz vibrante se entrega aos ventos.
E o vento a leva longe, bem longe, para as distâncias.
O sino tange, sua voz de pranto cai sobre as ruas
Como esta neve, que os céus derramam.

O sino grita, pedindo alma, almas depressa!
E as almas dormem dentro das casas
Dentro dos corpos dos homens que andam
Nas ruas longas, nas grandes ruas, nestes desertos.

O sino chama, que o Deus menino
Está a nascer. E não há pastores nas cercanias.
Nem há sequer, para aquecê-lo dos grandes frios
Os bichos mansos de antigamente.

E os sinos chamam pelos Reis Magos,
Talvez perdidos nest’hora escura
E o sino chora. Ninguém o ouve. E todos dormem.

Não há mais almas, sinos parai!

Augusto Frederico Schmidt

sábado, 22 de dezembro de 2007

Memórias do Natal

Um misto de ingénuo espanto e ansiedade define a comoção com que eu na minha infância vivia a festa de Natal. Tudo começava na véspera, noite dentro, quando nós os cinco manos, lá íamos com os nossos pais, todos ao monte no velho carocha bege, bem agasalhados e aperaltados, para a missa do Galo. Ainda pequeno, era um sentimento muito especial o de entrar acordado no mistério da noite profunda e estrelada. Lisboa lá estava deserta e fria, mas calorosamente engalanada para a festa. Excepcionalmente para as solenidades natalícias íamos à Igreja de S. Pedro de Alcântara ou Santos o Velho. A ocasião era toda ela especial: a Igreja, quente e iluminada a preceito, tinha um cheiro especial, os cânticos também eram especiais, e o grande presépio ao fundo dominava o panorama. Num autêntico estado de graça eu sentia-me também especial, assim como Jesus que nascia...
Intimamente eu ansiava pelo fim da missa, pelos presentes e a ceia, na Avenida da Liberdade em casa dos avós, noite adentro com os tios e a primalhada toda. Era essa a primeira etapa do glorioso dia que então começava.
Além das coloridas iluminações de rua, o Natal era então também mundanamente anunciado por alguns sinais “televisivos”, que avisavam a chegada das festas. Eram os anúncios de brinquedos, chocolates e perfumes, o inevitável Natal dos Hospitais, e os magalas que logo a seguir ao telejornal mandavam saudades à família, em diferido das colónias.
Mas no Natal são os presentes que tocam profundamente as sedentas criancinhas. Lembro-me daquele Mercedes Dinky Toys, que especialmente para mim, o meu pai pintou de preto e verde para satisfazer o meu capricho de ter um Táxi “como os verdadeiros”. Houve um pequeno “transístor” (rádio a pilhas) revestido de cabedal castanho, oferecido pelo meu padrinho, o avô João, onde eu ouvi as minhas primeiras canções, o “Quando o telefone toca” e os “Parodiantes de Lisboa”. E num qualquer Natal mais próspero lembro-me de ter recebido uma enorme caixa de Mecano, um jogo de construção que fez as minhas delicias durante meses…
E depois havia o chocolate quente na Avenida, cheia de primos, sonhos e outros fritos. E havia o acordar tarde e estremunhado já em Campo d' Ourique, para com os meus irmãos acorrermos estonteados ao nosso sapatinho junto ao presépio... onde milagrosamente já constava o Menino Jesus devidamente deitado na sua manjedoura.
E ao final do dia, com uma réstia de preciosa energia, íamos ainda jantar aos meus avós paternos na Travessa do Patrocínio... para um derradeiro banho de festa, de tios e de outros tantos primos...
O dia seguinte era uma ressaca feliz. Depois, restavam ainda uns dias de férias para empenhadamente brincar com os meus irmãos e com tantos e brinquedos novos. E para numa ida à matinée, a ver um filme de Walt Disney, estrear umas meias de lã, ou uma camisola nova tricotada pela minha mãe. E por esses dias, com a minha curiosidade endiabrada, ia desventrando meticulosamente alguns dos mais fascinantes e plásticos presentes, de corda ou a pilhas, até serem depositados ao monte no grande caixote. Inúteis e abandonados.
Finalmente, depois da passagem de ano, o suspiro moribundo das festas, a vida retomava a normalidade, a rotina. Até a escola implacável, ensonada e fria recomeçar.
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Publicado há um ano no Corta-fitas

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Spe Salvi

Pendurados os preconceitos, engavetadas as leituras de positivismo esquálido que são o paradigma de tudo o que se diz, não tenhamos medo de o afirmar: Spe Salvi é um dos textos mais portentosos que foi escrito sobre o homem contemporâneo. Poucas vezes de uma forma tão profunda se penetrou assim no homem e nas suas categorias fundadoras. Nesta Encíclica, a liberdade e a razão, a fé e a esperança, Deus e a eternidade, ganham uma densidade e uma dignidade que as transportam para um outro plano. Bento XVI eleva a liberdade a um plano insuperável "na liberdade humana não há possibilidade de adição, porque a liberdade é sempre nova e se deve sempre de novo tomar decisões", e é por esta liberdade que o homem tem necessidade de Deus "o ser humano tem necessidade de Deus; de contrário, fica privado de Deus". E a acção, que é a esperança, não é um referente ou um esboço. A esperança é um conteúdo, uma "substância" que liga o passado ao futuro, ao "ainda-não". O valor da vida está assente numa das mais belas frases: "toda a acção séria e recta do ser humano é esperança em acto" e a "Fé é a substância da esperança". Tudo, neste texto, é avassalador, imenso, grande e desmedido. A forma como Bento XVI enfrenta o coração do ateísmo é admirável: não é só a questão da "fé racional" de Kant mas, principalmente o problema de eternidade "... continuar a viver eternamente - sem fim - parece mais uma condenação que um dom" tão cara a um certo tipo de pensamento contemporâneo, Jorge Luís Borges, por exemplo. De uma gratidão imensa a forma como se refere à história de Bakhita ou ao amor do Cardeal Nguyen Van Thuan. Tudo é demasiado grande, demasiado belo, esplendoroso, demasiado iluminoso. Spe Salvi é carne viva, não é gramática de um texto, é a relação de um homem com outros homens, onde está Deus. Spe Salvi é um monumento, uma mudança, outra coisa que não isto. Diante dele só as lágrimas a rolarem, de joelhos, a noite dobrada em dois, o estar - com a solidão, à procura. Deus existe e o homem também. Não há mais nada a dizer. Neste Natal só o silêncio. O grande silêncio. O silêncio de Spe Salvi.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Assim Se Governa

Por estes dias, um membro do governo de Zapatero tentou safar-se aos males de uma inflação que já vai em 6% nos produtos básicos, como a alimentação, e deu a solução às donas de casa: neste Natal, consumam coelho em vez do tradicional perú. “É uma carne sã, ligeira, muito apetecível e barata.”

Nem mais! Deixem-se de frescuras e tradições, que o coelhinho até é bem bom.

Se esta brilhante solução para a crise chega aos ouvidos do nosso governo (que não fica nada atrás em "brilhantismo"), coitado do Zacarias cá de casa, que ainda vai parar à travessa na Noite de Natal!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A nossa babilónia

A barcaça marroquina abalroou a muralha do oeste “civilizado” com 23 desgraçados párias a bordo. Enquanto isso o bem nutrido e alucinado "consumidor", entretido nos centros comerciais, contrafeito, mal desvia o olhar das montras iluminadas de mil cores.

Construímos a nossa Babilónia e criámos uma grosseira ilusão de realização e auto-suficiência. No fundo, no fundo, todos reconhecemos a grande mentira com que nos sustentamos, mas recusamos indolentemente a corrigir o curso da nossa história, (a individual, que é a verdadeira) alterar um dedo a nossa cómoda perspectiva, desacomodarmo-nos um pouco que seja da nossa existência entretida e conformada.
De resto, ao ver a chocante fotografia de capa do Diário de Notícias de hoje, com um calafrio realizei como Jesus Cristo do Natal que estamos prestes a celebrar, encontra-se definitivamente “escondido” no emigrante repudiado. E como jamais O encontraremos com o barulho da encenação feérica dum qualquer agitado shopping suburbano.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Kosovo

Há um pensamento único, cego e canceroso, que destrói tudo. Em Portugal, da esquerda à direita, todos dizem que a Presidência foi um sucesso. Isto é uma mentira, um enorme embuste. A Presidência Portuguesa não fez nada, não teve visão, não desbravou um centímetro do que será o futuro. Querem exemplos? Aí vão três. Na Cimeira EU/Rússia Sócrates recebeu Putin como um democrata, não tocou na liberdade de imprensa, nos partidos políticos, nesse pedregulho incomensurável que é a vergonha da Tchechénia. Nem um dedo, um esgar, uma frincha. A Cimeira EU/África teve um grande valor simbólico. Mas não teve rasgo político, resultados palpáveis serão uma miragem. A espada esteve sempre embainhada, guardada no bolso dos conceitos gerais. E estavam ali ao lado Eduardo dos Santos, Kadhafi, Mugabe...só Merkel se lembrou. Sòcrates foi um bom serviçal, mas confundir isso com destreza política é um supremo equívoco. Mas a mentira sublime consumou-se ontem. O Tratado Reformador da União tal como está feito é obra exclusiva de Merkel, Delors do século novo. Sócrates nunca tocou nas feridas, no sal do futuro. O futuro da Europa é hoje, é o Kosovo. Em Janeiro o governo Kosovar vai proclamar a independência, as conversações com os sérvios fracassaram, a Europa vai rasgar-se. Que fez Sòcrates? Os grandes não são os certinhos, os convencionais, são os que espetam o dedo na terra porque amam as coisas e se fermentam no que está para vir. É depravante e lodoso todo este unanimismo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Ir à bica e a boa vida

Não gosto desta moda da máquina de café Nespresso... dá uma bica a saber a conservantes, aqueles “preparados” têm uns aromas mais próprios de rebuçados. Vão por mim, sou eu que o digo porque já provei algumas "drageias" daquelas. O assunto já foi motivo de acesa discussão com amigos e em família. As opiniões divergem, mas aquilo definitivamente não me apetece. Além de sair cara cada pastilha, quando tomo café em casa, gosto daquele de saco, e se tiver visitas até o faço “de balão”. Cada coisa no seu sítio!
Além disso não me tirem o passeio para o café, na esplanada ou lá dentro, no Paredão ou na Garrett, com o jornal ou um bom livro, sozinho ou em boa companhia. Ir ao café é um ritual imprescindível para o meu equilíbrio, mesmo que seja “à pressa” e ao balcão. É uma boa maneira de começar o dia, comentar com o Sr. Camilo as últimas “da bola” ou do bairro. Nisto de máquinas (caras!) já me basta a Bimbi nova lá em casa, por quem (!) eu morro de ciúmes. Aquela treta de mil euros, que só faz um litro e meio de sopa de cada vez, agora domina a culinária doméstica. Agora é que ninguém mais quer saber dos meus prosaicos petiscos calóricos, gordurosos e tradicionais. É ver a criançada fazer lasanhas e outras habilidades com molho branco e tomatada, todas contentes com a mãe babada a ver.
Depois do "cinema em casa" querem-nos vender a bela da "bica em casa". Já soube de uma companhia de teatro que vai ao domicílio, e com a Internet também já podemos trabalhar e pagar os impostos a partir de casa. Enfim, com um montão de euros e boa tecnologia podemos sobreviver emparedados. Mas eu gosto mesmo de sair para ver a paisagem, o povo, e respirar outros ares.
E agora acabo, com a vossa licença, que vou lá abaixo tomar a “bica” e ver como param as modas.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Ensinar versus Educar ?


“(…) Não é possível educar sem ao mesmo tempo ensinar: uma educação sem ensino é vazia e degenera com grande facilidade numa retórica emocional e moral. Mas podemos facilmente ensinar sem educar e podemos continuar a aprender até ao fim dos nossos dias sem que, por essa razão, nos tornemos mais educados. Tudo isto são detalhes que devem ser deixados à atenção dos especialistas e pedagogos.
O que nos diz respeito a todos e, consequentemente, não pode ser confiado à pedagogia enquanto ciência especializada, é a relação entre adultos e crianças em geral ou, em termos ainda mais gerais e exactos, a nossa relação com o facto da natalidade: o facto de que todos chegamos ao mundo pelo nascimento e que é pelo nascimento que este mundo constantemente se renova. A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para não as expulsar do nosso mundo deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum”
Hannah Arendt, A Crise na Educação, in Quatro Textos Excêntricos, Relógio D’Água, págs 52 e 53.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

"Tanti auguri..."

"É papel do cristão ser ao mesmo tempo estrangeiro e presente ao seu tempo.
Estrangeiro às suas ilusões e presente a todos os males que derivam dessas ilusões."
Gustave Thibon

Tempo de Advento

Quanto ao Natal que se aproxima tão rapidamente, lamento profundamente que a mensagem subjacente ao nascimento do nosso Senhor, do Rei dos reis, Deus feito homem, tão equivocamente tenha vingado em dois mil anos de catequização.
É urgente proclamar que o Salvador afinal nasce gloriosamente pobre e indefeso numa manjedoura, numa nação ocupada e reprimida... Que a mais fantástica e bela história do mundo indica-nos inequivocamente um caminho de libertação e de felicidade, justamente na entrega, e não na conquista. No dar e não no receber. E que a redenção se alcança em tudo ao contrário do que ensurdecedoramente nos “vendem” por todo os recantos desta civilização decadente. E que é ao libertarmo-nos do nosso sôfrego e deprimente umbigo que podemos alguma vez realizarmo-nos como homens livres. E que o nosso coração frio e egoísta é a imagem das albergarias de Belém quando se fecharam a Maria e José em vésperas do Grande Acontecimento. E que se vivermos o Natal de Jesus, nem que seja por um dia, seremos indubitavelmente melhores pessoas e mais felizes.
Assim Deus me ajude a viver este Natal.

sábado, 8 de dezembro de 2007



"Ó noite tu não tinhas tido necessidade de ir pedir licença a Pilatos.
É por isso que eu te amo e te saúdo.
E entre todas eu te glorifico e entre todas tu me glorificas
e tu me dás honra e glória;
porque tu consegues algumas vezes aquilo que há de mais difícil no mundo,
a desistência do Homem
o abandono do Homem entre as minhas mãos.
Conheço bem o Homem. Fui eu que o fiz.
Ainda se lhe pode pedir muito.
(…) com a minha graça, eu sei apanhá-lo a jeito. Pode-se-lhe pedir muito coração, muita caridade, muito sacrifício.
(…) mas o que não se lhe pode pedir, é um pouco de esperança.
Um pouco de entrega, um pouco de abandono nas minhas mãos.
Um pouco de desistência. Está sempre tenso.
Ora tu, minha filha noite, consegues algumas vezes, obténs algumas vezes isso
do Homem rebelde.
Que consinta, esse tal senhor, que se renda um pouco a mim.
Que distenda um pouco os seus pobres membros cansados num leito de repouso.
Que distenda um pouco sobre um leito de repouso o seu coração dorido.
Que a sua cabeça sobretudo deixe de andar.
E ele julga que é do trabalho, que a cabeça lhe anda assim”.

(Pórtico do Mistério da Segunda Virtude, Charles Péguy)

A vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas.
Advogada nossa, Mãe imaculada, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei!

Imaculada Conceição

Quem és tu, Maria?
Quem és tu, Imaculada?
Eu não realizo bem o que significa ser criatura de Deus,
e ainda menos o que significa ser filho adoptivo de Deus.
E tu quem és, ó Imaculada?

Não é apenas ser criatura.
Não é apenas ser filho adoptivo.
Mas Mãe de Deus e, mais importante,
não Mãe adoptiva mas Mãe real.
Facto que não é nem presunção, nem uma probabilidade,
mas uma verdade absoluta, um dogma de fé.

Serás tu sempre Mãe de Deus?
O título Mãe de Deus nunca será alterado.
Deus chamar-te-á sempre: ‘Minha Mãe’.
Aquele que nos deu o quarto mandamento
honrar-te-á para sempre…

Quem és tu, Deus?
O Deus encarnado gostava que O chamassem ‘Filho do Homem’.
Mas os homens não o compreenderam.
E, ainda nos dias de hoje, mesmo se algumas almas o compreendem
elas estão longe de serem perfeitas.

Ó Virgem Santíssima!
Permite-me que eu te louve!
Permite que os outros me ultrapassem no louvor a ti.
E eu que os volte a ultrapassar, novamente.
E assim, nessa santa competição,
a tua glória crescerá:
sempre em maior profundidade,
sempre mais rapidamente,
sempre mais poderosamente,
segundo a vontade d’Aquele que te concedeu tal graça.

Foi por ti que Deus foi glorificado, mais do que por qualquer outro santo!
Foi por ti que criou o mundo!
Foi, também, por ti que Deus me criou!

Que poderei dizer diante de tal felicidade?
Ó Virgem Santíssima, aceita o meu louvor!

S. Maximiliano Maria Kolbe

A festa de Lisboa

Para quem se identifica com uma história sem interrupções, faz-lhe alguma confusão ter que emprestar a sua casa para convidar os amigos para um fim de semana em Lisboa!
Mas valeu a pena, explicámos à europa e ao mundo que quinhentos anos de experiência continuam a fazer a diferença! Num excesso patriótico vi o mapa cor de rosa desfilar à minha frente... e o convite a Mugabe vingou o ultimatum! Com os africanos nos entendemos, não precisamos de intermediários para nada.
Falta agora lancetar o abcesso provocado pelas ideologias serventuárias dos vários socialismos, estranhas a África, e que lançaram o continente na miséria e na indignidade. Aqui já não estou tão certo das actuais capacidades portuguesas para dar a volta ao texto, serão precisos homens de ambos os lados que assumam sem complexos a história comum, incluindo nela todas as vicissitudes, o bom e o mau de uma presença impossível de apagar e que à vista da festa de Lisboa, ninguém quer apagar. Ainda se fala muito de petróleo e dinheiro, mas sente-se que existem coisas mais importantes para falar. Há sinais de esperança e o dia de hoje é um desses sinais – celebra-se a Senhora da Conceição, Rainha e Padroeira de Portugal!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

História de algibeira (22)

Entre 15 de Outubro de 1910 e 19 de Junho de 1911, a bandeira nacional foi alvo de acérrima contenda entre os republicanos, a chamada Polémica das Bandeiras. Por forma a marcar a mudança de regime urgia mudar o mais importante símbolo nacional. Então estiveram em confronto a facção moderada representada por Guerra Junqueiro, que defendia a manutenção das cores azul e branca, e a facção radical liderada por Teófilo Braga, que defendia a adopção das cores “verde-rubra” da bandeira do PRP como nova bandeira nacional. O culminar da disputa é por todos nós conhecido, e hoje temos a bandeira que temos...


Ilustração gentilmente cedida por Carlos Bobone – Livraria Bizantina

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Porque Hoje é Dia de S. Nicolau


Nesta quadra natalícia, há já bastantes anos que cá em casa insistimos persistentemente na mesma Campanha.

Sempre que uma das crianças fala no Pai Natal, é prontamente corrigida; quando as professoras pedem para escrever cartas ao Pai Natal, lá se explica que estão enganadas...; no dia de hoje, o livro do "Verdadeiro Pai Natal" vai para a escola, para mostrar a todos os meninos a verdade; praticamente em cada dia há pretexto para falar no assunto, e voltar a insistir na mesma tecla: é o São Nicolau! o São Nicolau é o Pai Natal! (e muitas vezes se volta a contar a história do bondoso bispo do séc. IV, muito amigo das crianças, que colocava um saco com moedas de ouro na chaminé das casas dos mais necessitados...)

Mas a tarefa não é nada fácil. A "contra campanha" impõem-se à intenção dos pais.

E, com pena, tenho que reconhecer que nunca ouvi nenhum dos nossos filhos falar do S. Nicolau...

África

O rosto de um pobre é a voz. Que não tem eco, amplificadores, retorno. Os pobres não falam, não dizem nada, não sabem dizer. Não tem nada a dizer, nada a pedir. Quando se perde a história, a terra, os filhos e o leito, resta um punho de fel cravado. Que se esconde lá por dentro, bolsas de resina, onde as palavras não chegam, pedras de solidão. O Zaire já não existe, o norte da República do Congo é uma terra em disputa, mortos em fila. A Somália é uma miragem, perdida, guerra de clãs, a Eritreia e a Etiópia á espreita.Do Sudão, Darfur, nascem os corredores da doença, descem da Tanzânia à África do Sul. No Burundi, Ruanda, ainda o cheiro fétido da memória inunda o Uganda e os rios. A Costa do Marfim, a "bela" Abdijan, é uma esfinge apodrecida de cacau. O mal não é Mugabe, esse é o mal que os ingleses querem mostrar, mentira de filigrana que só os ricos da televisão podem ver. O mal, todo o mal, são os rolos de raiva à deriva, lodos de miséria, compressão pungente que esmaga o sorriso da mãe e da terra quando a luz se acende. Lembro. A grande dor é a voz. Quando o punho de fel está cravado. Quando a voz é só ferida.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Ser Presente para quem Precisa

Não sabe o que há-de oferecer este Natal à mãe, ao avô, ao tio, à prima, ao vizinho, ao amigo?
O que vai inventar desta vez não lhes faz a mínima das faltas?
Não tem paciência de perder horas em centros comerciais atulhados de gente, à procura de não sabe o quê?
Está farto de embrulhos e mais embrulhos que em todo o lado sufocam o Presépio e o Menino Jesus?

Então, está na hora de fazer a diferença.

Tenha a alegria de dar presentes. E dê a quem os dá a alegria de os partilhar com quem mais precisa!
Parece complicado? Não é. Nem precisa de sair de casa.
Veja aqui como.

Estar a 100%

Desde que acordamos até que nos deitamos temos 1001 coisas para fazer, objectivos a cumprir, metas a alcançar.
Umas vezes os dias não parecem mais que uma sucessão infidável, cheios de coisas iguais e afazeres mecânicos.
Outras vezes, vem a surpresa, a novidade, o inesperado e com ele até muitas vezes a tristeza e o sofrimento, ou a alegria e a emoção.
Seja como for, seja que dia for, o importante parece-me é estar a 100%.
Passo a explicar: estar nas coisas de corpo e alma, toda eu nas coisas e as coisas em mim. Mediante cada situação que tenho à minha frente, cada dificuldade ou facilidade, cada tarefa mais monótona ou entusiasmante, quer eu goste quer me custe, estar a 100%.
Estar a 100% implica dar-me e debruçar-me, ver tudo o que posso fazer, como devo agir, o que é o melhor, para aquela situação, aquela pessoa, aquela família, aquilo que tenho à frente.
Estar com sabedoria, com profissionalismo, com caridade, com humildade.
Estar com tempo, com disponibilidade, com atenção, com compaixão.
Estar a 100% e oferecer, porque cada minuto é um bem precioso da vida e há que santificá-lo o mais possível para se ser verdadeiramente feliz.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Dia da Independência

Peço imensa desculpa por vir quebrar o sossego da nação, por vir lembrar uma data que os livres pensadores se esforçam por esquecer, que a grande maioria da população desconhece porque era esse o objectivo, mas tenham paciência, eu demoro pouco, meia dúzia de linhas no máximo.
Quando no primeiro de Dezembro de 1640 decidimos dar fim à união ibérica, reino unido de Portugal e Espanha, união europeia a que aderimos voluntariamente, quando os quarenta fidalgos souberam interpretar os desígnios da Pátria, reconduzindo-a ao trilho Fundador, quando tudo isso aconteceu… estávamos mais ou menos na mesma encruzilhada em que hoje nos encontramos!
Ontem como hoje e a troco da independência política, também nos eram prometidos mundos e fundos! Também embarcámos nas guerras dos outros, em armadas invencíveis, também quebrámos velhas alianças, também trocámos princípios por coisas, e parece que ao princípio a coisa corria bem… e também não havia alternativa!...
A única diferença é que a antiga adesão foi votada em Cortes, e aprovada, com a honrosa excepção do procurador por Lisboa, de seu nome Febo Moniz!
Sessenta anos depois, porém, reconhecido o erro, veio o tal dia 1 de Dezembro de 1640!
O Dia da Independência.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Ainda a Encíclica sobre a Esperança

Para nos aguçar ainda mais o apetite, aqui fica um pequeno trecho da Encíclica hoje publicada:

"Precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vida que é «verdadeiramente» vida."

Enciclica sobre a Esperança

Hoje o Papa publica a sua segunda encíclica, sobre a Esperança.
No passado dia 1 de Setembro o Papa encontrou-se com a juventude italiana em Loreto. Houve espaço para conversar. Transcrevo um excerto desse diálogo que me pareceu sugestivo.

Pergunta formulada por Piero Tisti e Giovanna Di Mucci:

A muitos de nós, jovens de periferia, falta um centro, um lugar ou pessoas capazes de dar-nos uma identidade. Com frequência vivemos sem história, sem perspectiva e, consequentemente, sem futuro. Parece que aquilo que esperamos verdadeiramente nunca acontece. Disto nasce a experiência da solidão e, às vezes, algumas dependências. Santidade, há algo ou alguém para o qual possamos tornar-nos importantes? Como é possível esperar, quando a realidade nega todos os sonhos de felicidade, todos os projectos de vida?

Resposta do Papa:

Obrigado por esta pergunta e pela apresentação muito realista da situação. Acerca das periferias deste mundo com grandes problemas não é fácil responder agora e não queremos viver um optimismo fácil, mas por outro lado, devemos ter coragem e ir em frente. Anteciparia a substância da minha resposta assim: "Sim, também hoje há esperança, cada um de vós é importante, porque cada um é conhecido e querido por Deus e para cada um Deus tem um seu projecto". Devemos descobri-lo e responder a ele, para que seja possível, não obstante estas situações de precariedade e de marginalização, realizar o projecto de Deus sobre nós.
(…) É necessária esta coragem, para criar centros, mesmo se já não parece existir esperança. Devemos opor-nos a este desespero, devemos colaborar com grande solidariedade e fazer o que for possível para que cresça a esperança, para que os homens possam colaborar e viver. Como vemos, o mundo tem que ser mudado, mas é exactamente esta a missão da juventude! Não podemos fazê-lo somente com as nossas forças, mas em comunhão de fé e de caminho. Em comunhão com Maria, com todos os Santos, em comunhão com Cristo podemos fazer algo de essencial e encorajo-vos e convido-vos a ter confiança em Cristo, e ter confiança em Deus. Estar na grande companhia dos Santos e ir adiante com eles pode mudar o mundo, criando centros na periferia, para que realmente se torne visível e se torne realista a esperança de todos e cada um possa dizer: "Eu sou importante na totalidade da história. O Senhor ajudar-nos-á". Obrigado.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Petro-Marx

" Os revolucionários acreditaram durante muito tempo
que as revoluções se faziam com ideologia. Chávez
provou que se fazem melhor com dinheiro. Na
Venezuela, o petróleo substituiu o marxismo."
Público, 28 de Nov. artigo de Rui Ramos

A má educação

Parece-me de quase total ineficácia a catequização da moral cívica oficial, pregada pelo regime no ensino escolar. Sei por experiência própria os resultados práticos das “lavagens de cérebro” efectuadas aos miúdos, massacrados desde a creche pelos bons princípios do amor à natureza, do amor à reciclagem e à solidariedade universal - bem mais bombástica e fácil do que a mesquinha e concreta “caridade” (palavra maldita) doméstica.
Sempre me pareceram deprimentes aquelas festas das escolas dos nossos miúdos (tenho em casa quatro saudáveis exemplares) em que as criancinhas, sob o olhar nervoso e cúmplice do pedagogo, ao ritmo duma dança étnica qualquer, apontam os ensaiados dedinhos aos progenitores babados, acusando-os pelo racismo ou a fome existentes no mundo... Ou no Natal aqueles bem intencionados presépios vivos, em materiais reciclados, ao som dum hino à “solidariedade”, em karaoke, contra a injustiça global. Incrédulo, ouvi os meus miúdos, chegados à 2ª classe, declamarem durante meses a "roda dos alimentos", também pintada a lápis de cera numa enorme cartolina. Isto até à próxima indigestão de chocolates ou gomas. Quanto ao seu amor à natureza, estamos conversados: sempre que nos distraímos, os higiénicos rotineiros “duches” dos miúdos dão para encher uma piscina municipal. Mais; há infindáveis anos que todos os dias de todos as semanas lembramos os adoráveis petizes para desligar as luzes que se acendem magicamente por onde passam. Quanto à propalada solidariedade é o que se sabe: basta observar atentamente a miudagem à pêra no recreio, a fanarem os cromos uns dos outros ou a gozarem até à náusea o mais fragilizado colega. Lá em casa, se não houver uma “ortopédica” voz de comando, bem vejo como funciona esse solidário cívismo principalmente se isso implicar o sacrifício dum interesse pessoal. Até a nossa mais pequenita, na hora de pôr a loiça na máquina, já aprendeu a refugiar-se “aflita” na casa de banho. Os irmãos, que não gostam de passar por otários, rapidamente reclamam, e lá se vai a preciosa harmonia no lar.
A batalha da “educação” trava-se principalmente em casa, e depende, além das referências do meio, da persistência e do exemplo categórico dos pais. Na escola, de onde Deus foi definitivamente banido, ensina-se o Mundo de acordo com a cartilha do regime. Na política, o que é importante é a ilusão de que vamos mudá-lo, amestrá-lo, mesmo que saibamos como desde sempre esse Mundo teima manter-se imutavelmente desconcertante, à imagem dos seus protagonistas.
É fácil arguir contra a violência ou injustiça, queimar automóveis e partir as montras na rua em prol da harmonia no mundo. Difícil, difícil, é olharmo-nos com humildade cristã para melhorarmos o pouco que seja em nós mesmos - a única fórmula para benignamente influenciarmos o nosso pequeno meio. Organicamente. Mas essa tarefa, tão anónima quanto imensa, quase sempre esbarra com o nosso orgulho e interesse imediato. Para nos revolucionarmos “por dentro” quase sempre somos demasiadamente comodistas e dificilmente encontramos uma motivação peremptória. E cristalizamo-nos a um passo da verdadeira redenção, e a verberar contra os outros, contra o Mundo tão injusto, num acto de desesperada catarse.

Lealdade

A poda nos dias frios
A terra mexida
Depois
esperar
que a primavera
traga a surpresa
da flor
e do fruto

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Outono

O Inverno começou ontem. Rolos de água esmagam a terra, o pó e o ventre das raízes. Se calhar, quando Deus criou o tempo foi agora. Quando fez o frio descer das montanhas e se enleou no seio dos elementos. Da terra húmida escovada pelo vento e da água esculpida nos veios profundos da crosta. O Outono é o princípio de tudo: da água e do vinho, da terra coçada e do pão lavrado. É neste tempo que se começa, que se volta a partir, que a geada ceifa os caules . Ontem, o sol foi embora. Levou o cansaço e o ciar dos desencontros. A água recolhe sempre os silícios, regaço perpétuo do que sempre será. A chuva rasga o estreito das lágrimas, dedos fundidos de restos, de carvão. O que esmaga no Outono não é o granizo, nem as rodelas de folhas que cobrem os fetos. É o cheiro da terra, a nudez dos troncos e da memória, quando o escuro infindável da noite solta os cavalos no trilho da água.

Bons sinais

Uma notícia aqui, uma opinião ali, um evento que se anuncia para amanhã, começamos a descobrir que andávamos a ser enganados, que a verdade histórica estava subtilmente amordaçada, mal contada, ou simplesmente esquecida! Também li o artigo de Pulido Valente, ele próprio um dos desenganados, afinal o Rei Dom João VI foi um estadista notável, não o imbecil que Junqueiro e as repúblicas, de um lado e do outro do Atlântico, se esforçaram por fazer crer. O Rei que Napoleão não conseguiu destituir ou prender, mantendo assim a independência do Reino, o Rei que fabricou o Brasil, unificando o maior e mais poderoso País da América do Sul, dando-lhe o estatuto de Reino, que teve o talento e a previsão de sonhar o Reino Unido de Portugal e Brasil, que ainda hoje é desígnio maior de quem ainda sabe sonhar, esse Rei só merece a nossa gratidão e homenagem. E quando digo nossa, refiro-me naturalmente a portugueses e brasileiros.
Os manuais escolares anti-portugueses e anti-brasileiros ainda insistem que fugiu para o Brasil cumprindo instruções dos ingleses! Seria caso para indagar se era do interesse de Portugal que Dom João VI fosse preso e humilhado pelos franceses como aconteceu com o Rei de Espanha, destituído sumariamente por Bonaparte! Claro que não era, e daí também a diferente designação que espanhóis e portugueses dão à mesma realidade bélica que constituiu a expulsão dos invasores: enquanto os espanhóis lhe chamam ‘guerra da independência’, porque de facto a tinham perdido quando perderam o seu rei, os portugueses chamam-lhe ‘guerra peninsular’ porque mantivemos a independência, uma vez que o nosso Rei continuou livre e a dar as suas ordens a partir do Rio de Janeiro.
Mas Pulido Valente tem razão quando reconhece a tentativa de silenciar e menorizar a guerra que travámos contra o invasor jacobino: - “… Porque sucedeu isto? Por causa da subordinação cultural de Portugal à França e ao mito da França como ‘libertadora da humanidade’ (que não se adaptava bem à razia de Bonaparte). E por causa do republicanismo, que nunca desculpou à Igreja, ao ‘Antigo Regime’ e à própria Monarquia liberal a defesa do país contra a ‘revolução’, mesmo sob a forma de império napoleónico. O homem da época passou a ser Gomes Freire de Andrade, um traidor que lutou até ao fim pelo inimigo. Quando por aí a inconsciência política resolve apelar ao patriotismo, nunca me esqueço da omissão e distorção da nossa guerra da independência contra a França. O Portugal moderno nasceu torto. Como, de resto, se viu no PREC”.

Fonte: Jornal Público de 23/11/07.

sábado, 24 de novembro de 2007

Alentejo

Porque a Sofia faz 40 anos.
E porque o Alentejo é a sua terra.

Portalegre
nome saudade de Portugal.

Marvão
milhafre da liberdade
sempre vizinha
dos excessos do vento.
Grito lançado para o lado do mar.

Castelo de Vide
escala,
proporção,
delicadeza.
Portugal a explicar o seu jeito.

Crato, Flor da Rosa
lugar da consumação do amor entre um povo e uma terra.
Robustez queridíssima da alma nossa.

Campo Maior, Ouguela,
estandartes da arte de vencer gigantes.

Elvas
daqui não passa
quem não se inclina
ao forte da Graça!

Vila Viçosa
condestável da honra.
Empreender no lance da reconquista imaculada
da liberdade,
inegociável.

Estremoz
tão apurada na arte de bem receber
que, solene,
à própria Rainha Santa
abriu a porta que dava
sob o paraíso.

Évora Monte
abraçada à paisagem com o nó manuelino de um amor fatal.
Gávea donde os olhos se balançam, de um ao outro lado do horizonte,
pasmados de contentes.
E quem assim cismou assim se encantou.

Arraiolos
título de Nuno,
que só se comprazia com o mais honrado.
Atalaia dos caminhos que cruzam a liberdade do reino

Évora
Eva reencontra-se com a sua beleza de sempre noiva:
convento do Paraíso, do Espinheiro.
Scala Coeli.
A Sé.
A pátria antiga vinha a ti fazer cortesias.
Tua a arte daqueles que
assim como beijavam assim construiam.

Montemor-o-Novo
aqui soube o Rei, e a sua corte,
da nova do regresso da aventura do Gama.
Daqui partiu descalço, e só,
João,
levando cozida no coração a Boa-Nova,
que um dia havia de desdobrar,
vestindo tantos
com a ventura púrpura da misericórdia.

Alcácer do Sal
garbosa colina, graciosa muralha,
alta honra de igrejas, capelas, conventos
como se fora uma iluminura da nova Jerusalém.

Monsaraz
caravela serrana, tesouro de ourivesaria manuelina.
Barroca?
Engenho artístico de um povo pobre.

Moura
porta do Carmo.
O calor insuportável suplica a brisa
que tarda,
e que tarde,
já sem ânsias,
virá.

Stº Aleixo da Restauração
colina elevada tanto acima da covardia
quantos os heróis, sem nome,
alistados para te defender,
para morrer.

Serpa
no fim de Portugal
galhardia,
reconquista,
aristocracia,
sofrido canto genuíno da planície,
da distância.

Noudar
aqui se desfraldou a bandeira
livre,
destemida,
e só.

Mértola
último segredo do Alentejo a escorrer para sul,
como as aves,
como o rio,
como as barcas,
com as gentes perfumadas
na gravidade e beleza
ali aportada.

Alentejo,
roteiro franco,
resumo largo do saber viver nobre.

Alentejo,
gratidão face a Ti,
além tudo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

História de algibeira (21)

A Rainha D. Amélia (...) foi na opinião dos seus contemporâneos a rainha mais bela do seu tempo. (...) em 1898, aos 33 anos, apareceu ao escritor Eça de Queirós como “terrivelmente linda – e extra-amável”. Foi também uma das rainhas menos afortunadas. Cumpriu o seu papel oficial durante vinte e um anos, apenas para ver o marido e o filho mais velho morrerem à sua frente , assassinados durante um atentado em que ela teve de se defender batendo na cara de um dos pistoleiros com um ramo de flores. Aconteceu a 1 de Fevereiro de 1908, na Praça do Comércio, em Lisboa. Aos 43 anos, D. Amélia vestia-se de negro.
Pouco tempo depois (...) a mulher do representante diplomático de França em Portugal encontrou a rainha no Palácio das Necessidades, em Lisboa. (...) Acabara de enterrar o marido mais velho num país onde ninguém mostrava grande pena pelo destino da família real. O filho mais novo, que tinha sido ferido no atentado e era agora o rei de Portugal parecia ameaçado. Outros talvez se tivessem entregue ao desespero, desistido, fugido. Mas D. Amélia sabia que não era uma pessoa qualquer. Como explicou à mulher do diplomata francês: “Quando on est dans le métier, on ne lâche jamais.” Era uma rainha, nascida de uma família real. Não ia desistir, ia aguentar até ao fim, enfrentar tudo, cumprir o seu dever.


Excerto da introdução de Rui Ramos ao livro Rainha D. Amélia Memórias Inéditas de Lucien Corpechot, Editora Caleidoscópio Abril 2007.
Imagem: D. Amélia em visita ao Dispensário de Alcântara - daqui

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Quem és tu António?!...

Quem és tu António?!
Ouvi-te lançar notas soltas. E pergunto-te quantas vezes rezaste as palavras que dizes? Os pensamentos (sobre tudo!!) que te escorrem à velocidade das audiências.
Quantas vezes já leste os Textos Santos? Quantas vezes já te ajoelhaste? Sim, quantas vezes já reconheceste o teu verdadeiro (pequeno) tamanho?!
Quem és tu para falar da Casa que não visitas?
Balbucias de fora, uma sinfonia desafinada, que faz os deleites do teu tempo. Dos que te entrevistam. Estão soltas as tuas notas. Estão fora do redil! Têm o peso, e a densidade de uma folha de papel ao vento. Não dá segurança tamanha ‘soltura’…
Falas do Papa “conservador”, com o mesmo tom com que comentas a corrupção no futebol! QUEM ÉS TU?!! Vai escrever notas soltas nas margens dos teus livros, resolve com outro papel a tua soltura!
Que sabes tu da dificuldade com que a Igreja convive com a contracepção, com a ideia de família e natalidade? Tu que não convives com Ela!
Quem és tu António Vitorino?!Se não queres entrar, deixa-nos!

Defensor de Chávez

Por estes dias, neste verão, visitou Portugal a 14ª reencarnação do Dalai Lama. O governo da república achou por bem não receber oficialmente tal dignitário para não ferir as susceptibilidades de Pequim.
Por esses dias, neste verão, o governo da nação não conseguiu haver-se com adolescentes mentais, com barba mal semeada, que lançaram mão da colheita transgénica de um malfadado lavrador.
Por estes dias, já inverno, o governo da república esforça-se por conseguir trazer a Lisboa Mugabe, reencarnação ágil dos ódios tribais facínoras africanos. Acresce a vontade de Lisboa em ver consumada a humilhação da Servia cristã ortodoxa face ao Kosovo que se pretende entregar à Albânia, oferecido pelos EUA à hegemonia muçulmana internacional (dizem as más línguas que a troco de alguma contenção árabe no médio oriente em relação a Israel).
Por estes dias, ainda, homens de barba rija, nas barbas das autoridades que representam a soberania e o governo da nação, brincam a sério aos cowboy’s nas ruas das nossas cidades.
Por estes dias, também, de manifesto mau tempo, um herói boçal que trafica petróleo numa gigantesca estação de serviço na América do Sul, é recebido por estes lados como Chefe de Estado. Embora seja incapaz de articular uma ideia, é muito rápido a puxar do rifle dos insultos e a disparar. Foi capaz, mesmo, de irritar o rei mais vegetariano que a Espanha deu ao mundo, notável pelo seu estômago abrangente (primeiro papou o Franco, depois banqueteou-se socialista, mastigou convicções católicas, e agora consegue usar os sapatos apertados que o actual Primeiro Sinistro lhe ofereceu, sem dar sinais de indigestão…), mas manifestamente indisposto pelo indecoro do gaúcho gorducho.
Serviram estes dias, portanto, para dar a conhecer o ADN de José Sócrates, descodificado nestes seus gestos. Com soberana probabilidade percebe-se que o componente químico primário de que são compostos os seus cromossomas e o material de que são formados os seus genes é, não o ácido desoxirribonucleico, mas, isso sim, gel pinoca, para a fotografia, geleia adocicada, para oferecer aos hóspedes, gelado rijo, tal a frieza da sua ética, e gelatina trémula, tal a inconsistência desta milésima reencarnação da safadeza.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Jogos&Vidas

Ao pegar no jornal de fim-de-semana, começo sempre por uma rápida olhadela às inúmeras brochuras de publicidade e suplementos que avolumam o saco, por forma a deitar logo para o lixo a maior parte da papelada. Ontem, ao cumprir esta função, dei de caras com um “Especial Jogos”: uma selecção dos melhores jogos para a PlayStation, a pensar nas crianças, das mais pequenas às maiorzinhas. Entre outros, fiquei a conhecer o Assassin´s Creed.
“Experimenta a arte de um assassino! Assassin´s Creed é o jogo da próxima geração que irá redefinir o género de acção. Tu és um assassino, um guerreiro envolto em mistério e temido pela sua crueldade. As tuas acções podem lançar o ambiente circundante no caos”.

(…)

Na semana passada fui visitar um amigo ao EPL de Lisboa. Condenado recentemente a 5 anos, esta é mais uma reincidência na prisão, provocada por uma vida de drogas e crime. (Tenho no entanto que sublinhar que o conheci também numa outra”vida”, capaz de gestos de amizade sincera e de sinais de grande bondade de coração).
À despedida disse-lhe: “os meus filhos mandam-te um abraço”.
Sorriu e perguntou: “ o João continua a brincar com pistólas? Diz-lhe que se deixe disso.”
Enchi-me de razão e respondi: “não acho mal que ele brinque com pistólas na idade certa….”, e continuei o meu raciocínio, aproveitando mais esta oportunidade para lhe dar um pequeno sermão.
Ouviu, e no fim insistiu: “Ok, mas de qualquer modo diz-lhe que não brinque com pistólas.”

domingo, 18 de novembro de 2007

Sto. António dos Olivais

É verdade que passei uma boa temporada em Coimbra, vivi em Sto. António dos Olivais. Lembro-me que ouvia Lloyd Cole de mais, e que um dia uma bem intencionada alma me ofereceu um gatito siamês para minha salutar companhia. Acho que o animal chegou demasiado crescido às minhas mãos, já elegante e lustroso. Desde então tentámos com afinco domesticarmo-nos mutuamente, mas a causa era perdida - foi curta e inglória a sua passagem na minha vida. O bichano, além de não me ligar peva, possuía uma estranha extravagância: subir às arvores que não sabia descer. Uma noite, de madrugada, acordei estremunhado com os seus miados aflitos. Espreitei ensonado para o quintal, e lá estava ele, empoleirado num tronco da alta árvore. Na noite seguinte ao chegar a casa, àquela pacata rua de província, o gato lá permanecia, balanceante, num ramo ainda mais alto e mais frágil, com um miar mais sonoro e desesperado. Pressenti os olhares estremunhados e recriminatórios dos meus vizinhos, ocultos pelas suas térreas gelosias. Ao terceiro dia, finalmente entrou em casa despenteado, rouco e a coxear. Dei-lhe uma reconfortante refeição, e nessa noite ambos dormimos um sono profundo e retemperador. Que eu me lembre, a cena repetiu-se mais duas vezes. À medida que o tempo passava, o bicho subia mais alto, para os mais frágeis e trémulos ramos, ao nível de um segundo andar. O pânico da vertigem impelia-o para o alto. Atirei-lhe com pinhas, chamei os bombeiros, a situação era desesperada. Até que o gato caía de maduro, pelo cansaço ou pela força do vento.
O bicho era bonito. Olhos verdes claros, por detrás duma mascarilha castanha a condizer com as botas e luvinhas, sobre um pelo sedoso bege claro. Uns dias mais tarde o bichano desapareceu. Foi algum incauto forasteiro que o roubou, atraído pela fidalga figura do estúpido animal. Ou então um vizinho mais zeloso lhe deu um curativo fatal. Para bem da boa vizinhança.
Demorou algum tempo mais para que eu próprio, pelo meu pé, descesse da minha árvore.

sábado, 17 de novembro de 2007

Sócrates e o Tratado de Lisboa

A menos de um mês de ser (ass)assinado o Tratado de Lisboa

Leis psicológicas que desconheço, acasos e escolhas pessoais, podem fazer de uma pessoa alguém inchadíssimo no seu ego, sempre ávido de sucesso e visibilidade.
Sócrates tem no seu ADN o registo de uma grande combatividade e voluntarismo. Fantástico e de valorizar numa nação desde há 30 anos muito, muito cansada.
Mas isso não prenuncia que se esteja diante de alguém notável, embora se note muito a sua presença.

Pode um homem menor ficar para a história como um grande personagem? Apenas como anedota, ou melhor, como um nome acerca do qual se contam histórias mais ou menos engraçadas. Não acredito que quem tem por conteúdo principal do seu pensamento registar-se no Guiness europeu de novidades seja um personagem notável. Os acordos de Lomé (1975) não celebrizaram o Togo nem o seu primeiro ministro, cujo nome não sei, nem quero lembrar... Tão pouco Lomé II (1979). Nem Lomé III (1984). Ou ainda Lomé IV (1990); mas, no seu âmbito próprio, convenhamos que foram marcos muito importantes na história dos tratados celebrados pela União Europeia.

Não acredito que o que falta ao mundo, e a esta parte do mundo que se chama Europa, seja um tratado que arruma as competências das partes em torno da proeminência dos países grandes e das vantagens económicas deixadas aos países pequenos.
Um Tratado que não deixa os povos pronunciarem-se é coisa de tratantes.
Um Tratado que assim nos trata obriga-nos a dizer-lhes para irem tratar-se.
Um Tratado que faz da Europa um club de bem estar sem ideais, sem responsabilidades, sem pretensões de correr riscos fora de muros, choca os seus mortos. De tal modo que conseguiram por Carlos Magno, Afonso Henriques, Filipe o Belo, D. Manuel e Carlos V, Napoleão, Bismarck e Disraeli abraçados e a chorar. Enigmaticamente, porém, qual Gioconda sagaz, algures no além, vê-se Salazar a sorrir(-se)…

Creio que desta vez, e com razão, os povos da Europa, a seu tempo, se encarregaram de fazer uma oportuna e legítima IVG.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Stop:)


Código do(s) Aborto(s)

Notícia última hora stop ministro saúde exige Igreja stop
deixe considerar aborto como pecado stop por isso ser
contra lei "Caso a Igreja se recuse a mudar cabe ao
Ministério Público instaurar uma acção administrativa
especial tendente à ilegalidade deste pecado. É uma lei
que tem de ser cumprida" stop sublinhou ministro do
governo democrata stop esperam-se mais "exigências"
para próximos tempos stop

Apresentações...

Foi-me pedido que me apresentasse com mais detalhe. Deixo, por isso, para um próximo post a promessa de desenvolver o tema com que me iniciei neste blogue. Assim, e fazendo por conservar a minha índole reservada, avessa a publicitar-me em fotografias pessoais de frívola promiscuidade, escolho dizer-me por contraste, avançando com alguns traços do meu perfil intelectual.
Já é dizer qualquer coisa de mim confiar-vos que MAC tem tido paciência para me ouvir. Muitas vezes passeamos juntos, longamente, e verdade é que sucedendo-se os dias e os anos vemos o tempo confirmar a nossa comunhão. Obviamente, falta-me a unção do Pe Pedro. Também não trago comigo a fascinante verve de JSM. Quanto ao seu notável exercício de pedagogia monárquica, se nem sempre me convence percebo-a sempre original! Partilho com J Távora o gosto pela história e por estórias. Não tenho a serenidade laboriosa de PL. Invejo a vivacidade dos post’s da Rita. Na SIdeias sinto o pulsar de uma mão artista. Encanta-me na Xana o seu cuidado e saber maternal. Ao Gito, sobretudo, admiro-o. A.Z. representa para mim a combatividade pertinente: sem subterfúgios, presente. Entusiasma-me a ironia ousada do Pope. E tenho muita pena da longa ausência doutros/as escribas deste blogue, há muito arredados/as desta lide.
Por conseguinte, é assim que me lanço nesta aventura de partilha de ideias e ideais.
Porque é isto, na verdade, que me impressiona neste blogue: notável espaço de liberdade face ao marasmo contemporâneo onde impera o totalitarismo das vulgares utopias de esquerda e dos seus recalcamentos anti-católicos. Mas marasmo, também, ociosidade mental e omissões militantes, dos que não pensam assim…

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O rio

O rio é feito de crostas, de laços de memória, pedaços de pérolas encalhados nos escolhos. Todos os dias ele está lá. Ninguém o sabe, ninguém o vê. Compram casas por 7oo mil euros para terem um friso, uma fantasia , um cubo de água. Compram restos, esconsos. Quando o vejo, de frente, de Santa Apolónia a Alcântara, roliço, esventrado, na curva do vento, sei que esta é a terra, a cor do sangue. Lisboa não existe, é um caroço, escroque ressequido. Lisboa é o rio, a história e a água. Os barcos de quinhentos e os homens de quinhentos. Que foram em frente, o fim do rio é não terminar. Como há duzentos anos, neste mês, dia vinte e nove, às sete da manhã, quando se foram embora. Dez mil aristocratas, os homens de oitocentos partiram, lambidos pelo vento. Em sete de Março de 1808 o Tejo desaguou no Rio de Janeiro. Como nos anos 60 quando os homens partiam para o Ultramar e as mães enxugavam as lágrimas nos folhos de água parda. O rio é a terra, grandeza e miséria, sebo e cristais de prata. É a pérola que brilha, vaso onde os homens escondem a alma.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Sem nome


Era tão pequeno

que ninguém o via.

Dormia sereno,

enquanto crescia.

Sem falar, pedia

- porque era semente-

ver a luz do dia

como toda a gente.

Não tinha usurpado

a sua morada.

Não tinha pecado.

Não fizera nada.

Foi sacrificado

enquanto dormia.

Esterilizado

com toda a mestria.

Antes que a tivesse

taparam-lhe a boca

-tratado parece,

qual bicho na toca.

Não soltou vagido.

Não teve amanhã.

Não ouviu "-Querido..."

Não disse: "-Mamã..."

Não sentiu um beijo.

Nunca andou ao colo.

Nunca teve o ensejo

de pisar o solo,

pezito descalço,

andar hesitante,

sorrindo no encalço

do abraço distante.


Nunca foi à escola

de sacola ao ombro,

nem olhou as estrelas

com olhos de assombro.

Crianças iguais

à que ele seria,

não brincou com elas

nem soube que havia.

Não roubou maçãs,

não ouviu os grilos,

não apanhou rãs

nos charcos tranquilos.

Nunca teve um cão,

vadio que fosse,

a lamber-lhe a mão,

à espera do doce.


Não soube que há rios

e ventos e espaços.

E invernos e estios.

E mares e sargaços,

e flores e poentes.

E peixes e feras-

as hoje vigentes

e as de antigas eras.


Não soube do mundo

Não viu a magia.


Num breve segundo,

foi neutralizado

com toda a mestria:

Com as alvas batas,

máscaras de entrudo,

técnicas exactas,

mãos de especialistas

negaram-lhe tudo

(o destino inteiro...)


- porque os abortistas

nasceram primeiro.


Renato de Azevedo

Distorções

A ressonância cresce ritmada. Um som profundo e arrebatador emerge das entranhas da terra cadenciado, ameaçador. As loiças do armário tilintam; o ar, o soalho, os vidros vibram. Alerta, com os meus sentidos atentos, procuro identificar a “ameaça”. Nada a temer! É só um “ganda som” a troar do porta-bagagens de um pequeno carro utilitário que chegou à minha porta exibindo a última maravilha da tecnologia de hipermercado.

Há dias, um colega meu dizia, orgulhoso, que "sacara" mais 200 horas de música para um qualquer fantástico “gadjet” portátil. Assim, ele gaba-se de possuir, de forma quase gratuita, uma fonoteca infindável, um ruído permanente e acessível em todo o lado: no carro, no escritório ou em casa. A Internet, e os modernos softwares de compactação de ficheiros de musica, MP3 e quejandos operam milagres. Agora, quaisquer quatro gigas chegam para arrecadar toda a música do mundo até à mais antiga, a dos anos oitenta. Finalmente, vendem-se dispositivos de leitura de todas as cores para todos os gostos e em tamanhos e formatos impensáveis.
Mas o que está a dar, de resto, é o “cinema em casa” e o magnifico “surround”. O estrondo para todas as bolsas. Nos modernos equipamentos sonoros 5.1, o patego ouve um soco como uma batida dum bombo: até treme o ar. Um respirar temeroso soa como se fosse um ciclone. A cada gesto do herói, estrondosos ruídos movimentam-se no espaço - de trás para a frente e da esquerda para a direita. Com esta generosa tecnologia de ponta, podemos até ouvir um concerto que roda e salta sem parar à nossa volta. De trás do sofá, p’rá frente do retrato dos sogros. Em movimentos hipnóticos e surreais, um qualquer violoncelo surgirá em ameaços ao meu encontro, ou em movimentos laterais bem ritmados. Uma emoção sem fim. Não importa se ouvimos Bach, um uivar de cão ou um míssil a rasar. Para alegria e entretenimento geral, todos os efeitos se transformam em pura adrenalina, movimento, ritmo, enfim, numa animação feérica.
Alguém quer saber que a natureza não produza semelhantes sonoridades? Ou que os sons (frequências) “médios” aparentem provir de uma lata de coca-cola? O que interessa é a estridência dos cinco canais de som, apoiados pela estrela da companhia, o celebre “subwoofer” com a potência de uma máquina de lavar. Por fim, nada nem ninguém escapa a essas baixas frequências em alta intensidade. Não há mais subtileza, tonalidade, cor ou textura sonora. E está tudo a ficar surdo.
Aos cinco anos, os meus avós ofereceram-me um "transístor". Desde então sempre tive música perto de mim. Aos oito, fui com os meus tios ao S. Carlos e fiquei arrebatado pelo vigor de uma orquestra sinfónica. Pelos dez anos, aprendi o que era uma alta-fidelidade (atente-se no termo) quando a minha tia Isabel trocou de gira-discos e me proibiu de mexer no novo, mesmo que fosse com os olhos. E a delícia que era para os meus ouvidos o efeito (inconsciente) da estereofonia, e da amplitude da modelação das frequências sonoras? Até ter o meu primeiro emprego, nunca consegui ter um som de jeito, mas tentava, lá isso tentava. Construí colunas na aula de Trabalhos Manuais com altifalantes comprados na Feira da Ladra, fiz ligações perigosas entre vários aparelhos. No final salvava-me com a telefonia em FM que me oferecia já uma boa sonoridade.
Já adulto, depois de casado, fui “compondo” um sistema de som de que hoje me orgulho e me satisfaz. Bem tratada pelos diversos componentes, a minha música sai em plena e robusta liberdade de duas pesadas colunas Tannoy. À antiga, a estereofonia basta-me: quando bem instalada projecta um espectro de palco, com o relevo e dinamismo necessários. É aquilo que presenciamos num concerto, acústico ou amplificado seja no CCB ou no S. Luís. De resto, é fechar os olhos e deixar-me embalar pela infinita paleta de texturas, de cores e tons, todas as nuances sonoras que a arquitectura da minha sala permite. E, sossegado, ouvir uma obra-prima. Assim tenha eu tempo e disponibilidade interior para a arte e para a beleza. Para adivinhar o absoluto e assim ligar-me ao que é maior, divino e grande no homem.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

“Porque não te calas?!”

Hugo Chavez terá uma vida inteira para digerir o insulto, e um dia talvez perceba que a história não se apaga facilmente. Por muito que isso custe, o índio teve que engolir e calar, sujeitando-se mais uma vez à voz de comando dos conquistadores. E existem mil razões para a razão do monarca, muito para além daquelas que suscitaram a aplaudida intervenção. Em primeiro lugar porque a Venezuela só existe através da Espanha, tal como o petróleo e o desenvolvimento, a escravatura ou a liberdade. E Chavez é ele próprio um produto de todas aquelas contradições. Depois, tornou-se claro que a legitimidade ocasional dos eleitos não era nada se comparada com o peso da representação histórica que o Rei transporta consigo. Com o incidente a Espanha ficou mais forte e as republicas sul-americanas ficaram menos órfãs. Afinal, a justa repreensão ficou em casa e o mundo hispânico compreendeu que tinha identidade própria. Quem por certo também compreendeu a mensagem foi o poderoso vizinho do norte – há que contar com a Espanha.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O Ser e o não ser

Quando todo eu não estou em tudo

Quando tudo não é para O Todo

Fico só eu sem sentido.

Pouco mais que nada.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

As duas faces do escudo

No dia de hoje, numa intervenção perante empresários portugueses e chilenos, Cavaco Silva elogiou o Governo liderado por José Sócrates.
"As autoridades portuguesas estão a avançar com reformas profundas na administração pública, na justiça, na segurança social e em muitos outros domínios", afirmou Cavaco Silva.
O presidente da República realçou também os investimentos "muito, muito fortes" em domínios como a educação e formação profissional, sublinhando que são "uma condição de sucesso para vencer os reptos da globalização".
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Também neste mesmo dia, no discurso de abertura do ano académico 2007-2008 da UL, o reitor desta universidade, António Sampaio da Nóvoa, falou na necessidade de mudança e apontou o dedo ao Governo enquanto responsável por alguns entraves a essa mudança, como a "falta de modelos claros e transparentes de financiamento".
Referiu ainda que nos últimos dois anos Portugal foi o único país da Europa que reduziu o investimento no ensino superior, sustentando que “ao não favorecer a iniciativa, ao valer-se de argumentos de autoridade, ao debilitar as instituições, este Governo cria o desânimo entre todos aqueles que, genuinamente, se batem pelo progresso e pela inovação", sublinhando que "nada é pior do que a ilusão da mudança que deixa tudo na mesma".
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Será que estes dois senhores, ambos professores universitários com provas dadas e com reconhecido percurso académico, estão a falar do mesmo país?
Qual deles se terá enganado? Será que um por estar cá vê as coisas demasiado próximas e por isso lhes perde a perspectiva?
Ou será que outro por estar demasiado longe perdeu a mesma perspectiva por nem sequer vislumbrar as coisas de que fala? DESCUBRA VOCÊ MESMO.

Nos 90 anos da tomada do poder pelos Bolcheviques

Em homenagem ao povo Russo e aos povos de todos os territórios invadidos pela União Soviética, aqui ficam dois poemas de Anna Akmátova (1889,Odessa-1966,Komarovo) também chamada de 'Anna de Todas as Russias'.


Pó cheira a raio de sol,
Mel bravo à liberdade,
Boca da moça a violeta,
E o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
Amor á maça rescende,
Mas agora já sabemos-
Só o sangue cheira a sangue...
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Não, não estava sob um céu estrangeiro,
nem me protegiam asas estranhas.
estava com o meu povo, no lugar
em que infelizmente o meu povo estava.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Nuno Alvares Pereira

Ainda a celebrar o dia do Beato Nuno, 6 de Novembro, transcrevo, da Crónica do Condestável, um excerto da sua resposta face aos receios dos seus homens na véspera da batalha dos Atoleiros:

...Quanto a sermos poucos e eles muitos não deveis por isso duvidar que estais praticando uma grande obra: não vos esqueceis que já aconteceu os poucos vencerem os muitos. Rogo aos que quiserem ir comigo a esta batalha que atravessem este riacho.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

"Todos os tempos são de martírio"

Faz hoje um ano que Idalina Gomes, uma leiga missionária portuguesa, e o Pe. Waldyr dos Santos, jesuíta brasileiro, foram assassinados em Moçambique, na Missão de Fonte Boa.
Conheço Fonte Boa por lá ter passado alguns dias há cerca de 8 anos e vi o que significa ser ali missionário, ser testemunha do Bem e da Graça junto daqueles que nada têm, muitos deles nem existência para efeitos civis, nascendo e morrendo sem nunca serem inscritos em qualquer livro do Registo Civil.
Os missionários ali são tudo – padres, freiras, catequistas, mas também amigos, professores, médicos, aqueles que fazem o transporte de doentes, dos mortos para que possam ter um enterro junto dos seus nas respectivas aldeias, … seria impossível continuar a descrição.
A vida e morte dos missionários tem que ser semente, semente para aqueles que continuam a partir por um BEM MAIOR e para aqueles que ficam e que aceitam ser testemunhas do Evangelho no modo como tentam viver o dia a dia, cumprindo, em obediência, em sacrifício e abandono, as solicitações do trabalho, da família e tudo o mais a que vão sendo chamados.
Hoje, no dia em que a Igreja faz memória do nosso Beato Nuno de Santa Maria, o qual, renunciando às honras do mundo, escolheu um caminho de humildade e obediência, para, a exemplo de Cristo, servir melhor os homens, lembro todos aqueles que continuam a doar a sua vida ao serviço dos mais pobres, trabalhando de forma silenciosa pela liberdade e justiça no mundo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Fátima

A oração é um precipício, um abismo.De todos os níveis da existência, este não tem um suporte artificial. Não vale a razão, os sentimentos, a poesia. Está para lá do sensível, das aprendizagens, dos dados maneiristas. É uma filiação, uma descoberta pessoal, intíma, de sentido. Não é um desafogo, um vale de lágrimas, enxugar os desabafos. Está antes e depois. Quando rezo estou no tempo que ocupo agora, mas que não é o meu. É uma busca, uma travessa, uma relação. O drama de ser cristão é o drama da oração. De me ligar a Deus a partir do tempo que é o tempo de Deus e da minha provisoriedade. De saber que tudo que aprendi como pessoa e como homem não chega, é parco, sofrível, pequeno. Que os livros da escola, da filosofia, das viagens, do amor e da poesia são sobras. Que aquilo que sou é uma filiação. Que para entrar dentro dos meus actos, das minhas palavras, no ser inteiro, é necessário uma ruptura, falésia aberta. Entrar no oração e na Palavra é o risco, suprema fenda. Mas a história de cada vida é carregada de tojos de cimento, hangares de espera, de solidão e sobras de pão. A dor é não entregar o meu tempo ao tempo que é de Deus. Sentado, na noite funda, no santuário vazio, sobram-me os actos, as cordas da insciência.

Disponibilidade

Agradeço ao MAC o convite amigo para participar neste impressionante blogue.
Temperamentalmente reservado, ouso publicar as minhas opiniões que procurarei apresentar de modo tão educado quanto convicto. Assim, e não abdicando de dizer o que penso, creio-me aberto a poder, eventualmente, esgrimir argumentos, desejando, no entanto e tanto quanto possível, não me envolver em disputas pessoais com os meus leitores.

Mas começo por apresentar-me perante a geografia política actual, dizendo da minha orfandade, não principalmente porque a esquerda é hoje poder mas, isso sim, e o que reputo mais grave, porque a direita esvaiu-se!
Ou seja, quero com isto dizer que concordo com o que o PSD afirma de si mesmo, quando insiste em dizer que não é um partido de direita! E basta olhar, por exemplo, para Cavaco, para confirmá-lo. Polícia sinaleiro do regime, obcecado com o rigor financeiro das contas do estado, mostra-se tímido face à deriva das referências estruturantes da nação, como sejam a defesa da dignidade da pessoa humana, desde o princípio da vida, ou a luta pelo integro funcionamento das instituições -vide o novelo que envolve o PGR…- ou, ainda, na incapacidade de promoção de um ideia de Portugal própria, face ao franchising ideológico de Sócrates.

Congruentemente, não concordo com o que o PP diz de si mesmo, apresentando-se como o partido representante da direita! Porque deve manter-se, a bem da distinção (elevação) dos ideais, a distinção (separação) entre uma compreensão da matriz que é própria à direita e aquela outra própria ao partido de Portas: grande defensor dos negócios dos privados mas tendencialmente omisso perante as responsabilidades sociais do estado e dos indivíduos; liberal nas referências culturais, já sem qualquer filiação filosófica efectiva no pensamento personalista cristão, pelo que moralmente hedonista (vide PP e homosexualidade…); populista nas oportunidades de demagogia e por isso incapaz de entusiasmar as elites.

Enfim, serve este meu primeiro post para ‘oferecer’ a minha disponibilidade perante um novo partido que tarda em se apresentar que seja direito e pela direita.
Mas deixo para um próximo post o que eu mesmo quero dizer com isto de ser de direita, hoje!

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Fieis Defuntos

"Mas se Deus não existe- se Deus não existe que me fica no mundo?
Sou nada no infinito. Fui tudo e sou nada. Leva-me a força bruta. Sou acaso na mistificação.
Sou menos que nada no monstruoso impulso.
Se Deus não existe tanto faz gritar como não gritar.
Não tenho destino a cumprir: saio do nada para o nada. "

Raul Brandão, Humus

"Não é a 'morte' que virá buscar-me. É Deus."
Stª Teresa do Menino Jesus e da Santa Face,
Caderno Amarelo

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Halloween

Entristece-me intimamente a ingénua adesão dos miúdos pequenos ao estéril folclore da triunfante cultura invasora. É com ou sem a nossa conivência que os seus ritos e liturgia entram sorrateiramente pelas nossas casas adentro.
Ao mesmo tempo que a desgarrada militância laicista promove o esvaziamento das nossas ancestrais tradições cristãs, em nome do progresso e duma presumida superioridade intelectual, os fundamentos da nossa identidade colectiva são sistematicamente ameaçados.
Sem nada para lá pôr no seu lugar, o povo espoliado e confuso agarra-se em desespero às abóboras ocas, luzinhas mágicas, pais natais, pozinhos de perlimpimpim e demais “espiritualices” alternativas.
Enfim, o progresso.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Feio, Porco e Mau!

O José, 32 anos, morador nos arredores de Lisboa,
estava a ser seguido num CAT (Centro de
Atendimento a Toxicodependentes) integrado
num programa de substituição. Diariamente
aí se dirigia para lhe ser dada uma dose de 90 mg
de metadona. Foi expulso, deste programa,
porque as análises, que regularmente era obrigado
a fazer, acusaram consumo de cocaína o que não
era permitido. Neste programa!! Então o José foi
mudado para um outro programa, chamado de
baixo limiar (o 1º será de limiar assim-assim?) ,
onde o Estado num acto de grande "humanidade"
lhe continua a dar a dose de metadona, e o Zé
pode ao mesmo tempo continuar a consumir
cocaína. Foi aqui que o encontrei, debaixo de um
viaduto da cidade de Lisboa, junto a uma carrinha
do Estado que distribuia a tal droga de
substituição. E ali à volta outros como ele. O Rui
com uma "g'anda"pedrada e que está com
300 mg, a Paula há dois anos com 50 mg o Márcio,
o António, a Vânia, o Manel e outros sem-nome.
Pelo meio, da carrinha do Ministério da Saúde,
juntamente com a droga, iam sendo distribuídas
seringas e preservativos, para o programa
ficar completo.
- Porreiro, pá!
Entretanto, numa qualquer casa noutro ponto
da cidade, ou num parque público manhoso,
senhores do regime vão alimentando os seus
apetites pedófilos com as crianças, que o mesmo
Estado, que distribui simpáticamente metadona,
deveria por todos e com todos os meios proteger.
O PGR diz que não é necessário uma equipa
especial para investigar estes abusos do regime.
Claro que o futebol é mais importante! E os
senhores deputados, tão escandalizados que
estão... com as escutas telefónicas!
Poeira para os olhos.E o governo? Muda as leis
para proteger os criminosos!E o nosso primeiro?
- Porreiro, pá!
Ah, falta a comunicação social:
- Silêncio que se vai cantar o fado!

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Honrosas excepções

Nem tudo está perdido, ainda existem autarcas que desafiando o legalismo estrito em que algumas empresas públicas se movimentam, não têm dúvidas de que lado é que está a razão! Fátima Campos, presidente da junta de freguesia de Monte Abraão soube distinguir entre o interesse concreto que representa a saúde dos habitantes que a elegeram e o denominado interesse geral que a REN anuncia em abstracto. Para levar a sua avante enfrentou a paralisia da Câmara de Sintra, o Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu a seu favor, e ainda, a enorme inércia nacional.
Esta vitória jurídica pode ajudar noutros casos e noutras lutas.

Outro exemplo de reacção proveniente da sociedade civil surge em Almada, mais propriamente no Lazarim: “ O Colégio Campo de Flores começou esta semana a efectuar medições do campo electromagnético através de um medidor idêntico ao que a REN utiliza e que custou 15 mil euros. O director da escola explicou ao DN que o aparelho está ligado e que os dados serão disponibilizados na Internet. As medições estão a ser feitas junto ao local onde vai passar a linha de muito alta tensão que irá ligar a subestação da Trafaria a Fernão Ferro, Seixal. Apesar da linha passar a oitenta metros da escola, João Almeida acredita que quando for ligada, em Março, os valores serão respeitados. As medições são uma medida preventiva para descansar quem aqui trabalha e quem aqui tem filhos, mas vamos imputar os custos à REN, assegura”.

Fonte: DN de hoje.

sábado, 27 de outubro de 2007

Alta tensão

Se quisermos interpretar os recentes episódios que opõem o bem-estar das populações aos interesses sem rosto da REN (redes energéticas nacionais), podemos certamente inscrevê-los na luta ancestral travada entre as liberdades comunitárias e o desígnio centralizador (e uniformizador) do Estado. Fica claro que o chamado poder local, partidarizado como está, não tem vocação para defender pessoas e bens, refugia-se na legalidade, ou quando questionado de perto, demite-se das suas funções invocando antigos editais afixados nos paços do concelho! Não é surpresa, porque é da essência dos partidos o horror à descentralização, não nos esqueçamos que os autarcas são eleitos através de listas partidárias, na sua grande maioria são desconhecidos das populações, e pior, eles próprios desconhecem o concelho ou freguesia onde são eleitos! Na prática funcionam como meras correias de ventoinha dos comités centrais e ai de quem se lhes oponha ou siga caminhos diferentes. Será imediatamente convidado a abandonar o cargo no total desprezo pelo voto dos eleitores! Foi este o preço que pagámos pela utopia da liberdade individual sem limites, desligada de tudo, em primeiro lugar da Ligação primeira, depois, da família, seguindo-se todo o laborioso travejamento em que assentava a liberdade de todos e de cada um.
Portanto, a pergunta é: quem nos defende da REN, que ao abrigo de lei própria semeia pelo país e a seu belo prazer, torres e postes de alta e altíssima tensão, numa clara agressão aos interesses primários dos seus habitantes? Ou dito ao contrário, quem representa hoje os interesses legítimos das pessoas e das comunidades, face a esse terrível inimigo em que o Estado se transformou?
Responda quem souber.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Quando o homem quiser?

Para mim a festa de Natal é no dia 25 de Dezembro. Para a ocasião guardo uns dias de férias e, com a alma vestida de gala, nesse dia celebro em família o nascimento de Jesus Cristo. Diariamente durante as quatro semanas precedentes, com a ajuda das crianças, iremos desfolhar um calendário do advento numa honesta tentativa de preparação para o grande evento. Para mim, a celebração do Natal está protegida pelo sentido e pela essência que a fundamenta.
Porém, com crescente ruído outra festa já se faz anunciar. Uma canseira. Chamam-lhe natal, mas será outra coisa por certo. É que ao contrário do que disse um poeta, seguramente o Natal não é “quando um homem quiser”. O "homem" normalmente quer outras coisas.
Hoje, a quase dois meses da data, deparo-me aqui no C.C. das Amoreiras com a sua ofuscante decoração Natalícia. Tenho notícia que em Algés já estão ligadas as luzes de Natal. A feira começou, nem posso acreditar! A televisão já iniciou as exaustivas lavagens de cérebro apresentando um infindável e tentador catálogo de coloridos pechisbeques, que farão a criançada feliz por cinco minutos - ou apenas um instante. Anunciam-se automóveis de sonho em prestações suaves a pagar lá para as calendas gregas. Centenas de pais natais, animados, reais, digitais, vestidos à Benfica preparam-se e já “aquecem” ordenadamente para o massacre. Nos próximos dois meses vamos levar com o Santa Claus no Espaço, no Comboio, no Far West, na neve e no Havai, na rua do Ouro e no Shopping. Tanta poluição sonora e visual desorienta as crianças e confunde-nos a nós, adultos.
Enfim, o sonho já está à venda para todas as bolsas. O problema é que, como acontece com todos os sonhos, um dia acordamos estremunhados com a realidade. Sem resolver o vazio, sem praticar o amor, sem cumprir a relação que nos justifica.
Aproveitada pelo político, pelo publicitário ou pelo comerciante, despojada do seu fundamento espiritual (essencial), a festa do Natal hoje em Portugal é vulgarizada e desvirtuada. Impregnada de frágeis e patéticos ideais líricos, esta quadra tornou-se território de um ensurdecedor despique de marketing, um monumento ao desperdício e à opulência. A felicidade descartável, os sonhos recarregáveis estão em promoção num qualquer hipermercado perto de nós. Um deprimente histerismo consumista é (cada vez mais) longa e exaustivamente promovido pelos ares da cidade, pronto-a-vestir, pronto-a-comer, pronto-a-usar e pronto a esquecer.
E se calhar alguns inocentes mais entusiastas consumidores desta "feira burlesca", atafulhados de dívidas e de tralhas inúteis vão despertar de novo, em Janeiro, para uma pesada e gratuita depressão pós-traumática pós-stress.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Um País de Feijões

O João tem 12 anos. Em Dezembro do ano passado, na escola estatal onde anda, um professor pediu-lhe para responder a um inquérito da iniciativa do Instituto da Droga e da Toxicodependência. Entre outras, continha as seguintes perguntas:

"O teu pai, ou substituto
… insulta (a sós ou na presença de outras pessoas) a tua mãe?
… bate (dá pontapés, murros, puxa cabelos, etc.) à tua mãe?
… impede-a de falar ou de estar com familiares ou amigos?
… impede a tua mãe de ter acesso ao dinheiro?
… obriga a fazer vida sexual com ele contra a vontade dela?


Isto passou-se com o João e com mais 100 mil alunos, dos 11 aos 18 anos, de 800 escolas do nosso pais.

O João contou ao pai, e o pai indignou-se. Protestou e o assunto veio a público.

Soube-se na altura que a coordenadora do projecto (que contou com o aval dos Ministérios da Saúde e da Educação), uma senhora chamada Fernanda Feijão, ficou muito surpreendida com a “tempestade num copo de água” que se verificou, entendendo que o trabalho é “rigoroso, equilibrado e sereno”.

O assunto provocou consenso na indignação, parecendo deixar a Srª Feijão isolada na sua serenidade. Foi até a um debate mensal na A.R., tendo Sócrates afirmado na altura: "o inquérito, no meu ponto de vista, é um inquérito que não faz sentido. Foi um erro e temos de corrigir esse erro para que não se repita no futuro".

Um processo de averiguação interna foi aberto pelo Ministério da Saúde.

Passaram-se 9 meses. E este episódio acaba agora da seguinte forma:

O Sr. Provedor de Justiça enviou um ofício ao Sr. Presidente do IDT a fazer recomendações no sentido de “assegurar que os problemas não se repetirão no futuro”. Neste ofício, o Senhor Provedor dá como certo que as perguntas polémicas foram incluídas no inquérito “por iniciativa própria da coordenadora do projecto (a Srª Feijão), sem que se alcance de onde emanou a sua legitimidade técnica para aquela tarefa”. Destaca a sua “falta de competência profissional e de aptidão científica”. E não isenta a direcção do IDT de culpas.

O Dr. João Goulão, presidente do IDT, reconhece o erro e “encara com naturalidade as propostas do provedor”. Mas deixa claro que “não houve lugar a penas disciplinares aos técnicos envolvidos”.

Conclusão:

A Srª Feijão lá continua, trabalhando com “rigor, equilíbrio e serenidade”.

O Sr. Provedor e o Dr. Goulão lá continuam, proporcionando condições de trabalho “rigoroso, equilibrado e sereno” às muitas senhoras e senhores Feijão.

E nós, cá continuamos… a ter que aturar isto, com “serenas” caras de … Feijão!