sábado, 31 de março de 2007

DO QUE AQUI SE TRATA

“A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.” - Da encíclica Fides et Ratio, João Paulo II, 1998.

Como propõe Bernard Lonergan, um teólogo jesuíta, in Método na Teologia, Roma, (1971), p. 86, inserindo-se na linha de Sto Agostinho e S. Tomás de Aquino, para se ter uma perspectiva verdadeiramente integrada da realidade é necessário “ser atento, inteligente, razoável, responsável”, sentindo ainda necessidade de acrescentar uma quinta característica – ser “enamorado”, ou seja, homem autêntico.
E ser homem autêntico significa muitas vezes sofrer por ter de viver num mundo marcado pelo pecado, pelos seus efeitos e consequências e dos quais não estamos isentos.
É difícil aceitar as nossas limitações e às vezes somos tentados pelo desânimo e pela frustração, quando a nossa vocação e as nossas convicções mais profundas parecem chocar contra a dura realidade.
Mas, seguindo o exemplo de tantos santos que nos precederam, nunca podemos resignar-nos, nem aceitar facilmente que a realidade, tão imperfeita, seja necessariamente a vontade de Deus. Com as nossas forças, com a luz e a Graça que Deus nos vai dando, precisamos lutar sem desfalecer para que as coisas mudem e melhorem.
Estou consciente que não podemos mudar o mundo, mas que onde quer que estejamos, com os meios que Deus põe ao nosso dispor e com os demais que põe no nosso caminho, devemos contribuir para que o Reino de Amor, Justiça e Paz se realize cada vez mais plenamente.
Exprimo, por outro lado, distância crítica face a qualquer objecção de carácter utópico relativamente aos ideais aqui apresentados. “O Ideal, aquilo que uma coisa deve ser”- Hegel, Carta a Dubock - pauta o ritmo do viver quotidiano daquele que se quer enxertado em cepa rica, enquanto recusa de um status uniformizante, imposto, por exclusão de uma liberdade que se quer iluminada e não tanto iluminante, que se quer guiada porque excentrada – ela conhece o centro que não é ela mesma -, menos centrada e muito menos descentrada.
O dever ser diz de um descontentamento, é um desejo inquieto do que é mais além, é inconformista e sacia-se quando faz repouso em regaço alheio. O descontentamento não é a marca do viver quotidiano. Este tem os seus lugares de fácil realização, mediados por uma métrica que apenas sacia temporariamente – leia-se os lugares de consumo, os lugares de férias paradisíacos, os carros topo de gama, as moradias de luxo, …- uma vez que é habitado por um soberano inclemente e intolerante a que chamamos ego. A mudança de agulha impõe sacrifícios se quisermos deixar-nos invadir pela suavidade de um jugo de uma Alteridade maior. Fora de Estrutura não é ser desestruturado. É ter uma Outra Estrutura.
Será disso que aqui tratarei e é por isso que aqui estou e que com muito gosto aceitei fazer parte deste grupo de amigos Fora de Estrutura, unidos por esta mesma vontade. Hoje, quando mais uma vez em Lisboa, muitos (poucos para a maioria informada) se congregam pela Vida, em defesa da inocência a que os grandes nunca darão voz.
PL

A VERDADE NO ROSTO

Gostava de escrever o primeiro texto no blogue a partir de um rosto. O lugar da relação é a expressão do rosto. N' "o grande silêncio" de Groning, um filme enorme, uma trave suspensa no tempo, tudo se consuma na figuração dos rostos. Os homens do mosteiro de Grenoble amam Jesus a partir do rosto. Sem rosto não existe amor, sofrimento,Deus. Tudo vale, a vida constrói-se porque em cada rosto existe a relação com outro rosto. A vida, limpar a neve no pátio, correr na montanha, rezar, dividir os legumes na cozinha, são a relação. Nisso, está o rosto da paixão suspenso na cruz.E por causa disso existe o amor. No filme nunca vimos o rosto de Jesus no crucifixo na capela do mosteiro,mas sabemos que está lá. Sempre esteve e estará no futuro. Os monges dizem-no, os movimentos são gestos de fidelidade.É nesse momento que a verdade do rosto nos invade. O que vimos já não é um rosto. É o lugar de Deus dentro do coração dos homens.

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" O grande silêncio" Philip Groning Cinema Nimas

estamos aqui

Estamos aqui
Porque não existe nenhum refúgio
onde esconder-nos de nós mesmos. (…)
Aqui, juntos, cada um de nós pode, enfim
manifestar-se abertamente. (…)
Mas como um Homem parte de um Todo, com o seu contributo a dar.
Neste campo todos nós podemos criar raízes e crescer.
Já não sós como na morte,
Mas vivos para nós e para os outros


- da filosofia do Projecto Homem -


Estamos aqui, a dizer sim a este “Fora de Estrutura”!

E aqui estamos para nos afirmar dentro de uma outra História, dentro de uma outra cultura que não esta, a dominante, e a que chamam de modernidade.

Uma História com uma memória antiquíssima, feita de sangue mas também de alegria, de encantos e desencantos, de obediência e de infidelidade, de pecado e santidade, de angústia e dor, feita de Amor.

E este é o nome do Senhor desta História, que, como o prometeu se revelou, fazendo-se Um de nós e de quem um dia, aquele que lavou as mãos no medo, disse: “ECCE HOMO”. Estamos aqui, para dizer Sim a este Homem. Pertencemos à Sua Família, Católica Apostólica Romana e a Ela queremos livremente ser fiéis.

Sim, trazemos connosco esta memória - este passado, este presente, este futuro - que a “moderna e civilizada estrutura” em que vivemos (e a que o Papa João Paulo II chamou cultura de morte) perversamente quer apagar através da falsidade e da mentira, chamando Bem ao Mal. E quantas palavras bonitas como humanismo, liberdade, solidariedade, justiça, são usadas pelos donos e senhores desta estrutura, para justificar guerras e ódios, egoísmos desinteresse pelo outro, sobretudo o mais fraco. São sinais disto a liberalização do aborto, as salas de chuto, a eutanásia, e o mais que aí vem…

E por isso estamos “Fora de Estrutura”.

Não é novo. Este é um combate antigo, que se prolongará até ao fim dos tempos. E este é um tempo, assim o sentimos, em que é necessário “saltar fora” para defender e preservar o que é essencial e queremos esteja dentro. Somos soldados, instrumentos neste combate, como tantos outros o foram: os profetas, os padres do deserto, os santos, os mártires.

Temos consciência da dureza do mesmo, mas temos também a certeza de que no fim quem vence é o Nosso Senhor.

Dizemos "estamos", porque somos dois a participar neste blogue. Mas somos Um porque unidos pelo sacramento do Matrimónio. E somos Família. Numerosa..............................

E também por isso estamos naturalmente “Fora de Estrutura”.

E aqui ficaremos até ser preciso, sabendo-nos pequenos como “grão de mostarda”.

Que o Sopro de Deus nos inspire!

Completamente fora

Estou completamente fora de estrutura, e por isso abracei este blog.
É que estou mesmo fora, sério, fora fora fora e vou explicar-vos porquê, embora procure não me alongar para não esgotar já todos os assuntos que gostaria de ver debatidos neste mundo virtual...
Vejamos hoje mesmo, acabo de chegar de um curso cuja temática abordada visava a sexualidade, perguntaram-me o que achava sobre a existência de educação sexual nas escolas, e com muita verdade respondi "acho que não" depois expliquei o porquê (poderei explicar isto mais tarde se interessar) e depois ouvi o retorno e... fora, senti-me completamente fora.
Dia 11 de fevereiro... fora, senti-me completamente fora de estrutura... e nem vou comentar mais senão gastava já o espaço todo do blog e depois tinha os membros de equipa (!) a cair em cima de mim:)
Salas de chuto... um tema também abordado actualmente em praça pública, estou fora... e...e...
Agora poderia colocar aqui "n" temáticas apelidadas por muitos como "delicadas" e dizer-vos que estou fora, completamente fora desta estrutura que não caminha para a frente, que não caminha para o bem, que olha para o seu umbigo a todo o custo... Estou mesmo fora!
"Tenho 26 anos, graça de Deus e bom humor", sou uma jovem portanto, e queria dizer-vos que apesar destes foras todos ainda consigo sorrir todos os dias e ser feliz, porque valores mais altos se levantam. E digo mais, só quando percebi que o meu umbigo tinha um sinal é que comecei a ficar mesmo fora...
Alexandra Chumbo

Lamentação

Porque o grão feiticeiro ministro preparava ritos ferozes,
Porque vozes altissonantes eram vedetas da injustiça,
Porque dos seus tronos os parlamentares farsavam a democracia,
Porque quatro grandes búzios ecoavam mentiras,
Porque mulheres esqueciam ser mães,
Porque mães desfaziam-se dos filhos,
Porque o nome mãe poderia agora querer dizer perigo,
Porque tantas mães eram as primeiras a mentir,
Porque as próprias mães faziam pacto de agressão com os violadores,
Porque filhos eram atacados no ninho/mãe,
Porque se legalizava a caça nos ninhos,
Porque nas casas vidros-virtudes quebradas diziam desconforto,
Porque as casas eram agora lugares onde viviam mentiras maioritárias,
Porque nas casas mais conforto trouxera mais decadência,
Porque o que fora um povo pobre de marinheiros
era agora um estado de pobres funcionários estéreis,
Porque as causas eram orquestradas por funcionários chefes,
Porque a verdade traficava-se pela visibilidade,
Porque a verdade era abortada para se poder abortar,
Porque a verdade era a única que não tinha direito a ter corpo,
Porque clérigos da ordem de Judas diziam solidárias mentiras,
Porque os do sangue de Judas agora eram príncipes nos jornais,
Porque apareceram muitos à direita a idolatrar soluções eficazes,
Porque na esquerda juravam solidariedade apenas com quem chorasse ao microfone,
Porque embora certos íamos ameaçadamente sozinhos,
chorámos lágrimas de honra:
pelos que nunca experimentariam a segurança de dizer ‘mãe’,
sem abrigo num seio corredor da morte;
pelos grandes que tinham mil razões justas para silenciar os pequeninos;
por um povo que sonhava futuro estar bem, sem abraçar a defesa de seus filhos;
nós, que sob os rios de Babilónia
dissemos a nossa lamentação,
súplica prenhe
de esperança:
Maranathá- Vem Senhor Jesus,
Oh! Vem depressa!

sexta-feira, 30 de março de 2007

Da estéril arrogância

Prometo que tão cedo não voltarei a escrever sobre a sórdida senhora f. Mas acontece que a senhora escreve no jornal que eu costumo ler, o Diário de Notícias, e ultimamente tropecei demasiadas vezes nas suas atoardas. Hoje, no seu artigo de opinião (e os outros são de quê?!), f. esclarece os leitores que à conta da sua recente investigação jornalística sobre a Irmã Lúcia ("dona Lúcia", nas suas palavras) terá descoberto que as aparições de Fátima não estão devidamente escrutinadas cientifica e jornalisticamente. Inclusive a insuspeita investigadora, na sua coluna de opinião, não se poupa a presentear o leitor incauto com as suas históricas e crédulas descobertas. Fique então o ingrato e ignorante cidadão descansado, pois que passados noventa anos, o embuste de Fátima irá finalmente ser desmontado por f. Na sequência dos recentes e ultrapassados anos de obscurantismo democrático, uma ilustre e insuspeita luminária se propõe a colocar ordem na história e nas nossas mentes equivocadas.
Graças a Deus, a arrogância é estéril!

A Igreja que eu conheço

Perante o que a vigente propaganda hedonista e os poderes jacobinos costumeiramente nos querem fazer crer, nunca será demais eu reafirmar publicamente a minha grata experiência de Igreja. Uma igreja Católica com as suas orgânicas fragilidades, mas as mais das vezes actuante, sóbria e valorosa, com leigos de uma generosidade infinita, e clérigos que se têm revelado para mim inspiração e testemunha de um caminho de vida em santidade.
Os exemplos com que me tenho cruzado são tantos que me é impossível listar e com justeza fazer referência a todas as pessoas e obras que conheço. No entanto, nestes tempos de descrença e desconfiança, parece-me importante publicitar todos os exemplos de heroísmo e excelência de cidadania que os “media” bem pensantes, por um ataviante pudor laico, teimam em ignorar. Eu assumo a simpatia por esta igreja peregrina dos dias de hoje. Despojada do poder, mas muito mais consciente, evangelizada e desacomodada. Incómoda até, talvez como no tempo dos primeiros cristãos. Esta Igreja, possuidora de uma mensagem revolucionária de libertação, cresceu e multiplicou-se sem protocolos vazios ou gratuitos formalismos. Hoje a evangelização é mais do que nunca uma dura batalha a encetar por nós cristãos, que teremos que pregar debaixo do ensurdecedor ruído da cultura Neo-liberal do sucesso "a todo o custo" e lucro individual. Contra as trevas e alienação do imediatismo do consumo e do hedonismo individualista. Desagregador e suicidário.
Em prol da felicidade e liberdade do homem, a igreja dos dias de hoje fornece cada vez mais activos grupos e movimentos de diferentes sensibilidades culturais e políticas. Das simples mas dinâmicas paróquias às comunidades de desenvolvimento espiritual e organizações de intervenção social, a igreja de hoje é um sério exemplo de pluralidade democrática e cidadania actuante. No entanto esta acção deverá ser apenas fruto da inspiração que para nós cristãos provém de uma mensagem muito clara: a realidade de Jesus Cristo, filho de Deus que entregando-se à morte por amor fraternal supera as trevas para sempre em favor dos homens. Estabelece-se o lugar da esperança. Esta é para nós a revolução. Paralelamente temos o segundo e fundamental o mandamento que distingue e caracteriza esta religião: Amai-vos uns aos outros como a vós mesmos. É neste exercício de aproximação ao divino que se deverá pautar a vida dos cristãos; acto de libertação só plausível pela relação aprofundada e exercitação espiritual de uma relação verdadeira com Deus.
Como atrás descrevi tenho o privilégio de conhecer bem alguns exemplos vivos de autênticos heróis e heroínas da vida real e quotidiana. Indivíduos de acção, voluntários ou profissionais que num exercício diário de entrega e imitação de Cristo servem com todo o seu amor o próximo e a comunidade em que vivem. Nesse sentido parece-me da minha obrigação elementar dar testemunho em próximos posts de três exemplos que conheço bem de perto: O “Projecto Homem” da Associação Vale de Acór em Almada, instituição criada para a recuperação de toxicodependentes por onde centenas de rapazes e raparigas já tiveram passagem libertadora. Outro será o projecto iniciado pelo nosso Padre Armindo, o sonho da reabilitação do Bairro do Fim do Mundo, na Galiza aqui na paróquia do Estoril, pela construção da Igreja e Centro Social de Nossa Senhora da Boa Hora. Finalmente os Casais de Sta. Isabel, iniciativa apadrinhada pelo Cónego Carlos Paes, prior da paróquia de S. João de Deus para a criação e desenvolvimento de equipas de catequese para casais “recasados”. Um projecto integrador da Igreja que somos nós, já disseminado em muitas “equipas” (uma das quais a minha mulher e eu orgulhosamente integramos) por este país fora.
Conheço estes três projectos de perto assim como algumas das pessoas que aí empregam as suas forças, o seu tempo e vontade, quando não quase toda a sua existência. E sei que há muitos e muitos mais. São milhares de vidas anónimas de pessoas que agem e se entregam diariamente pelos outros. Com muita devoção e oração superam as suas limitações, sem lamentos e sem descanso, numa imitação de Jesus Cristo em prol de um mundo melhor, mais digno, livre e justo. E rezam muitos terços a Nossa Senhora, sim senhor! Como eu os admiro e invejo. Estes que me fazem todos os dias acreditar um pouco mais no homem e na religião que professo.
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Texto adaptado e originalmente publicado no Corta-Fitas

Pela Vida, Ainda e Sempre

(Clicar na imagem para aceder à página de promoção da caminhada pela vida)

quarta-feira, 28 de março de 2007

Aqui Estou

Estou aqui, porque aqui escrevo ao lado dos que também não têm voz. Porque pertenço também aos que sofrem a tirania exercida por esta espécie de cultura que não é a nossa e que não queremos, mas que nos domina, espezinha e esmaga todos os dias.

Estou com aqueles que contemplam impotentes a tragédia duma sociedade que já foi expoente civilizacional e que corre agora, alegre e irresponsável, para o precipício que teima em não querer ver.

Enfim, estou fora de estrutura!

E é fora de estrutura que irei escrever, com tantos outros como eu.

Porque a Verdade tem de ser dita.
Porque é preciso mostrar o Caminho a quem já não o consegue encontrar.
Porque é necessário que a Vida volte a reinar no coração de cada um.

O grande desafio

"Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!” Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Jesus olhou para ele com amor e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” Mas, quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de Deus!” (…)


(Evangelho de Jesus Cristo segundo S. Marcos).

Quis o destino que eu nascesse sem quaisquer bens terrenos. Os poucos bens que possuo hoje, chegado ao auge da minha maturidade, são perecíveis ou não têm valor digno de nota. Apesar disso identifico-me dramaticamente com o homem rico retratado no desconcertante evangelho deste Domingo que passou. De resto, parece-me que apenas numa leitura simplista podemos interpretar esta “riqueza” feita dos tais bens materiais. Nesta leitura deparo-me antes com um homem cheio de dispersão (sem religião – “re-ligação”, unidade) de tal forma comprometido com tralhas, vaidades ou efémeros fetiches, que recusou (escandalosamente) um convite, ali directo, pelo próprio Jesus palpável e visível, qual felicidade eterna sem distâncias ou intermediações.
Eu por mim, gostava de atingir a sabedoria despojada do Rei Salomão. Qual era a verdadeira riqueza do Rei Salomão? Eu por mim, sonhei com um templo, uma capela ou um pequeno espaço de oração, rectangular e minimal, e chão pleno de areia do deserto. Paredes brancas, mais nada. À frente, o altar, uma pequena Arca (fraqueza minha), símbolo inspirador do mistério do santíssimo sacramento. Arca que encerrasse verbetes com todos os nomes dos Santos nossos heróis antepassados. Lá dentro, nessa Arca fantástica, permaneceria uma vela acesa, símbolo do sopro da vida que nos foi legada por Deus criador. Seria esta uma “banda larga” na minha relação com Nosso Senhor.
Este ano tenho o privilégio de dar catequese na minha paróquia a um grupo de inquietos e rebeldes adolescentes do 9º ano do Catecismo. São miúdos sedentos de respostas a emergentes, caóticas e desconcertantes dúvidas. Julgo que os posso entender bem, já que fui o mais “ingrato” dos adolescentes. E remeto-os ao diálogo livre e à reflexão. No caminho do conhecimento de uma radical liberdade interior. No caminho exigente para a felicidade que advém da relação e da entrega. Tento transmitir este legado, um difícil desafio por certo, nestes vorazes dias.
De resto aceito a realidade de uma Igreja plural. Às vezes chocantemente plural. Não pretendo ser juiz na estética, ou inquisidor das intenções da cada crente, corrente, prática ou tendência. Fazer caminho na relação com Deus é do foro individual, e recuso a má fé, integrando-me organicamente na minha comunidade, assumindo a doutrina e dogmas da minha religião. E jamais me demitirei da transmissão de uma mensagem que para mim serve a libertação interior e a felicidade, quase sempre diferida, mas verdadeira.
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Publicado também no Corta-Fitas

domingo, 25 de março de 2007

Fora de Estrutura

Não se trata de fazer-se valente com fanfarronices,
mas, isso sim,
de ter verdadeiro valor cristão para expor-se.


H U von Balthasar



Poder ser contra Poder

Finalmente chegou a nossa vez: nós, (os) fora de estrutura, na blogoesfera! Trata-se de gente que não obstante não vá às festas do poder, quer testemunhar a autoridade da sua reflexão; que não tendo as mordomias da cultura dominante tem, porém, outras aspirações, mais sérias; que embora não receba convites não deprime; que não sendo colocada, por conveniência, em lugares de decisão, não aceita, todavia, ser esventrada das suas convicções! Enfim, autênticos fora de estrutura, e por vezes, mesmo, fora da lei, quando esta se apresenta iníqua. Fora do aparelho do estado, também, que de per si, não julgam ser mau, mas que reconhecem anexado pelo inimigo. São, por isso, gente que se organiza em resistência, face à evidência da invasão, após o mortal atentado dos direitos do homem (mesmo do homem/mulher medido em milímetros!) de 11 de Fevereiro passado próximo. Agora, então, mais fora de estrutura que nunca.

Em ordem a clarificar a nossa identidade seja dito que somos todos católicos. Quer dizer, gente que recebe de Cristo a alegria de viver e que reconhece na Igreja o Corpo de Cristo, como o seu lugar no mundo. Corpo vivo como o de sua Mãe. Somos, portanto, gente que reconhece na fé o desafio da missão. Missão quer dizer história: lugar de responsabilidade face a Cristo, com Cristo, em Cristo. Ele que disse poder ser reconhecido na face do outro, sobretudo no mais pequenino.

Não somos de esquerda. Repudiamos os recursos habilidosos da demagogia que faz coincidir esquerda e futuro. Porque a demagogia é o timbre dos que falam sem vir do silêncio. Quer dizer, desse longo respeito por uma verdade que nunca se oferece aos que, no alarido dos interesses de uma qualquer mínima vantagem, a traficam. Porque ser solidário não é propriamente deter-se a elencar os comportamentos que a memória dos povos solenizou e assalta-los com o furor da vingança, vendo na tradição o fantasma da não suficientemente desmoronada Bastilha.

O próprio da esquerda é o desejo do progresso? Aí estão os exemplos dos conservadorismos marxistas a desdizê-lo. O próprio da esquerda é uma maior partilha de mais bens? Aí estão os exemplos dos países escandinavos cuja social-democracia mostra que cada donativo ao terceiro mundo é simétrico de um maior proteccionismo e hermetismo de sociedades altamente sofisticadas no fechamento sobre si mesmas.

Pensamos encontrar o denominador comum de toda a esquerda na ruptura com a tradição e na utopia como sentido da história. Nessa intransigente e violenta confiança no seu próprio protagonismo tornado antagonismo: ‘a nós o direito e o louvor por produzirmos um homem melhor. Cultura: inventar o homem novo. Em questões de ética não teremos piedade: não receberemos nada de ninguém. Sondaremos opiniões, manipularemos os factos e escreveremos novos códigos à medida do homem brilhante, aquele que criamos na excitação de ter sido lavado de qualquer traço de memória cristã’.

E assim a utopia justificará todas as distorções e amputações da realidade, fará de novas violências –o aborto, a eutanásia- hinos de humanismo, e em seu nome será complacentemente perdoada toda a alucinação do processo da história. Aliás, ‘apenas’ se pretendeu realizar o sonho do homem finalmente feliz, porque criado à imagem de uma utopia tornada rasto de sangue, na história... Na verdade, seja relembrado que o catolicismo não se mobiliza atrás de utopias. A Encarnação inaugura a história da santidade, o que é uma realidade bastante diferente… Por conseguinte, ser de esquerda é usar lixívia anti-católica.

Todavia, não nos reconhecemos na direita intelectualmente ociosa, que quer, sobretudo, a liberdade de iniciativa como absoluto, o estado fora da economia, a consciência individual como legitimadora do imperialismo do apetite, o direito de melhor bem-estar do ocidente como primeira lei do direito internacional e, por conseguinte, o catolicismo como horizonte protocolar sem influxo vivo no que acontece.

Reconhecemos a ordem como um bem. Que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13.1); que se a autoridade desdiz o direito natural se deslegitimiza; que a destruição da verdadeira autoridade não conduz a uma liberdade absoluta mas antes ao seu contrário, ie, à coação e violência; que a Pátria interessa porque nos sabemos com identidade, a honramos e não a desbaratamos; que a paixão pela liberdade convoca sempre a identidade; que as elites promovem a riqueza de uma comunidade, contra o igualitarismo que castra o protagonismo dos melhores, promovendo os iguais ‘melhor colocados’ à sombra do poder.

Sentimos o dever de nos defendermos perante a grande internacional da comunicação social. Trata-se desse imponente recurso de fractura com o cristianismo, tenaz agressor, por exemplo, de uma qualquer eventual e hipotética bondade da reflexão do magistério da Igreja, sempre apresentado como troglodita. Olhamos para a comunicação social sem reverência. Trata-se como que de um autómato da reflexão não profunda sobre os grandes temas que afectam o homem, sempre acelerada perante a urgência do espectáculo mediático.

Acresce que fora de estrutura é uma designação utilizada nalgumas comunidades terapêuticas para pessoas com problemas de toxicodependência. Diz respeito a alguém que deverá retirar-se do ritmo comum da casa para pensar, decidir-se em ordem a crescer e a assumir outra atitude face à existência. Também nesse sentido, portanto, os deste blogue estamos fora de estrutura: nós que nos reconhecemos envolvidos pelo ar tóxico desta comunidade chamada Portugal. Mas sentimo-nos também confrontados a ter que dizer presente. E é por isso que partilhamos com quantos nos leiam estas reflexões que desejamos sejam oriundas desse lugar prenhe de fecundidade e honra: o silêncio!

Mas isso não quer dizer que seremos formais na pose aprumada. Esperamos, na verdade, ter na sátira um recurso fustigante, capaz de arranhar os grandes com os atrevimentos do nosso bom humor. Pelo menos, que nos divirtamos a tentá-lo…Não nos faltam exemplos de mestres cristãos imbatíveis na arte da sátira e do sarcasmo. Dentre os mais recentes, lembramos Chesterton, Bernanos, Corção!

Todos vivemos por perto das andanças das comunidades terapêuticas. Daremos particular atenção ao que acontece neste âmbito.

E porque somos todos amigos esperamos ter neste blogue um testemunho dessa amizade. Nós que bem percebemos a palavra de stº Agostinho: ‘em todas as circunstâncias da vida humana, não há nada de amável para um homem que não tenha um amigo’!