segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Bons sinais

Uma notícia aqui, uma opinião ali, um evento que se anuncia para amanhã, começamos a descobrir que andávamos a ser enganados, que a verdade histórica estava subtilmente amordaçada, mal contada, ou simplesmente esquecida! Também li o artigo de Pulido Valente, ele próprio um dos desenganados, afinal o Rei Dom João VI foi um estadista notável, não o imbecil que Junqueiro e as repúblicas, de um lado e do outro do Atlântico, se esforçaram por fazer crer. O Rei que Napoleão não conseguiu destituir ou prender, mantendo assim a independência do Reino, o Rei que fabricou o Brasil, unificando o maior e mais poderoso País da América do Sul, dando-lhe o estatuto de Reino, que teve o talento e a previsão de sonhar o Reino Unido de Portugal e Brasil, que ainda hoje é desígnio maior de quem ainda sabe sonhar, esse Rei só merece a nossa gratidão e homenagem. E quando digo nossa, refiro-me naturalmente a portugueses e brasileiros.
Os manuais escolares anti-portugueses e anti-brasileiros ainda insistem que fugiu para o Brasil cumprindo instruções dos ingleses! Seria caso para indagar se era do interesse de Portugal que Dom João VI fosse preso e humilhado pelos franceses como aconteceu com o Rei de Espanha, destituído sumariamente por Bonaparte! Claro que não era, e daí também a diferente designação que espanhóis e portugueses dão à mesma realidade bélica que constituiu a expulsão dos invasores: enquanto os espanhóis lhe chamam ‘guerra da independência’, porque de facto a tinham perdido quando perderam o seu rei, os portugueses chamam-lhe ‘guerra peninsular’ porque mantivemos a independência, uma vez que o nosso Rei continuou livre e a dar as suas ordens a partir do Rio de Janeiro.
Mas Pulido Valente tem razão quando reconhece a tentativa de silenciar e menorizar a guerra que travámos contra o invasor jacobino: - “… Porque sucedeu isto? Por causa da subordinação cultural de Portugal à França e ao mito da França como ‘libertadora da humanidade’ (que não se adaptava bem à razia de Bonaparte). E por causa do republicanismo, que nunca desculpou à Igreja, ao ‘Antigo Regime’ e à própria Monarquia liberal a defesa do país contra a ‘revolução’, mesmo sob a forma de império napoleónico. O homem da época passou a ser Gomes Freire de Andrade, um traidor que lutou até ao fim pelo inimigo. Quando por aí a inconsciência política resolve apelar ao patriotismo, nunca me esqueço da omissão e distorção da nossa guerra da independência contra a França. O Portugal moderno nasceu torto. Como, de resto, se viu no PREC”.

Fonte: Jornal Público de 23/11/07.

13 comentários:

Anónimo disse...

Sim, parece-me que desta vez tem razão. Mas só em parte.

O "Portugal Moderno" de que VPV gostaria, e que defende que terá sido impededido pela francofilia jacobina (tem razão), tem a ver com o liberalismo de matriz britânica; nada tem a ver com o que é defendido no Fora de Estrutura por si (e por outros).

VPV está longe de ser um historiador consensual. Não me lembro, sequer, de nenhum que o defenda. É capaz de dizer tudo e o seu contrário. É movido por interesses pessoais e exibicionistas. Distorce a história quando, e a pretexto, isso lhe permita um pequeno ataque a qualquer seu ódio pessoal de estimação. É, portanto, preciso ter cuidado.

Deixo as seguintes crónicas à vossa consideração:

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O Papa Bento disse em Roma que a Igreja portuguesa precisa de mudar de estilo, organização e sobretudo "a mentalidade dos seus membros". De facto, só de 2001 para cá, diminuiu significativamente o número de padres, diminuiu o número de seminaristas, diminuiu o número de baptizados e diminuiu a assistência à missa. Por este caminho, dentro de 20 anos o catolicismo quase desapareceu de Portugal. É verdade que "os ventos do relativismo e do indiferentismo" afastam muita gente da Igreja. Mas também, segundo Ratzinger, a Igreja tem falhado: na iniciação (ou seja, na catequese), na vida comunitária (que é inexistente ou fraca) e na acção missionária (de que muitos padres se distraem ou trocam por trabalho administrativo). "A Igreja", advertiu o Papa, "não deve falar primariamente de si mesma, mas de Deus" .
O Papa não se engana. A Igreja portuguesa sempre falou, e tratou, "primariamente", de si mesma. Pela sua propriedade e privilégios, defendeu o Estado absolutista e, a seguir, o Estado liberal. Embora perseguida depois de 1910, resistiu à República, em grande parte, para recuperar o seu antigo poder. Engendrou Salazar e o Estado Novo e só com Marcelo, quando o regime lhe pareceu abalado, se afastou um pouco. Mediu constantemente a sua força e a sua saúde pela influência que tinha sobre o Estado e os benefícios que recebia dele. Por outras palavras, como qualquer instituição do século, foi guiada por critérios políticos. Vem agora confessar o patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que a Igreja deve ser "menos clerical". Que devia, devia. Mas será que se consegue reconverter?

Ahistória da Igreja desde o "25 de Abril" não é animadora. O próprio D. José ameaçou Cavaco com uma guerra eleitoral, se Cavaco não lhe desse a TVI (que, de resto, e para desgraça dele, acabou por dar). E a Universidade Católica, por exemplo, uma das melhores do país, serviu principalmente para formar uma "elite" dirigente e governante, de que a Igreja esperava protecção. Daí os cursos de Direito, Economia e Gestão (com um centro de sondagens pelo meio), em vez de cursos de "Humanidades", que afirmassem e criassem uma cultura católica contra o tal "relativismo" e o tal "indiferentismo" do tempo. Nem a democracia nem a crise interna bastaram para reformar a Igreja portuguesa. Talvez baste a autoridade do Papa Ratzinger. Se houver um milagre.

17/11/2007, Público

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e mais esta, com a qual concordo:

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Fora o Holocausto, por razões que se compreendem, a cerimónia de pedir desculpa pelos crimes da Inquisição ou das Cruzadas sempre me pareceu aberrante e abusiva. Como a história humana foi quase invariavelmente uma história de barbaridade e conflito, se o princípio fosse levado à letra, toda a gente tinha de passar a vida a pedir desculpa a toda a gente. Mas, de facto, não se trata disso. Nunca ninguém se lembrou de exigir a Moscovo que pedisse desculpa aos povos do antigo (e actual) império russo, nem ao islão que solenemente se arrependesse da conquista da maior parte do mundo mediterrâneo. O vexame ficou reservado para o Ocidente e sobretudo para a Europa, que, indefesa e fraca, pagou o preço de séculos de supremacia cultural, científica e tecnológica.
Com o tempo, esta mania da confissão pública, sob forma de uma guerra simbólica, acabou por ser importada por alguns países, para impor uma versão oficial do passado. Com Zapatero, chegou a vez da Espanha. Uma lei (ainda por aprovar), a que se deu o nome grotesco de "Lei da Memória Histórica", embora com medidas teoricamente justificáveis (rededicação aos dois lados do monumento do Vale dos Caídos, revisão dos julgamentos de Franco, apoio às vítimas do "nacionalismo" e dignificação dos mortos da República, enterrados sem identidade em vala comum), reabriu uma querela que teria sido melhor esquecer e que envolve directamente a Igreja Católica. Ora se a Igreja Católica esteve com Franco, também é verdade que os partidos da "esquerda" a perseguiram por meios drásticos (roubando, matando, violando, incendiando) muito antes da sublevação de Franco, mas sobretudo a partir da vitória da Frente Popular.

Agora, o Papa resolveu beatificar 498 mártires da guerra civil de Espanha. O Vaticano afirma que não pretende responder à "Lei da Memória Histórica" de Zapatero; e argumenta que já João Paulo II fizera o mesmo (233 beatificações). Só que, na altura, João Paulo II não corria o risco de interferir na política doméstica espanhola e é duvidoso que interferir não seja precisamente o fim do Papa Bento. A propaganda atrai a propaganda. Se Zapatero se recusa a esquecer a República, não se pode espantar que a Igreja se recuse a esquecer os crimes da República contra ela cometidos. Quem usa a História como arma encontra fatalmente outra arma da História. A História não é imutável, é o que quiser quem se apropriar dela. Com "desculpas", com leis ou com beatificações.

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Anónimo disse...

PS:

As citações são, claro, de Vasco Pulido Valente, no Público. A última é de 28 de Outubro de 2007.

JSM disse...

Caro anónimo
Agradeço os contributos que aqui trouxe e que decerto clarificam a opinião de VPV sobre algumas questões de grande actualidade. Mas como por certo depreendeu e imagina interessa-me apenas que o embuste e a propaganda republicana sejam denunciadas... em nome da verdade histórica. VPV tem auditório e posiciona-se nos antípodas das minhas convicções,o seu testemunho é por isso e para mim insuspeito, seja ou não comandado por razões mais ou menos obscuras. Uma coisa é certa, tem sido dos raros publicistas a abordar temas incómodos e que a maioria dos seus pares evitam.
Cumprimentos.

PS: Com estas justificações deixei para segundo plano a verdadeira importância da data que agora se celebra, a saber: os duzentos anos da chegada de Dom João VI ao Brasil! Embarcar e transportar cerca de quinze mil pessoas através do Atlântico, sob a pressão do avanço das tropas francesas que a todo o transe pretendiam evitar que tal sucedesse... é obra!!!

JSM disse...

Correcção: onde se lê chegada deverá ler-se partida.

Anónimo disse...

Concordo. O JSM só não tem razão é na diabolização absoluta e única da república. Nunca vemos os nossos próprios pecados...

E viva D. Pedro IV!

JSM disse...

Eu poderia dizer simplesmente - touché, passe o galicismo. No que toca a pecados, nenhuma dúvida, muitos, diários, consecutivos... Sobre a 'diabolização da república' aceito a crítica de um certo exagero... para compensar cem anos de exageros em sentido contrário. Não se pense contudo que é tarefa fácil exaltar a monarquia em Portugal ou em França, tristes países onde ainda se comemoram guerras civis! Quando não os próprios regicidas!!!
Viva D. pedro IV! Porque não?! Mas antes dele que viva a história comum, que não há futuro sem passado.
Saudações monárquicas.

Pope disse...

O meu aplauso perante a qualidade 'ideológica' dos comentários anteriores.
Sobre VPV queria dizer que o pecado que ele imputa à Igreja é essencialmente o dela existir na história e a fazer história, ás vezes de um modo mais heroico, outras de um modo mais insuficiente...VPV deseja uma Igreja pura que é o sonho dos que nunca aceitaram a Encarnação.
Sobre o discurso do Papa Bento aos bispos portugueses os que não têm fé entenderam 'tudo'... Aliás, por uma vez na vida concordam com o Papa. Só não perceberam foi o que o Papa disse: que o fundamental é a Igreja ser mais católica, quer dizer, mais firme na fé. Ou seja, onde se leu para a Igreja ser mais 'moderna', menos ligada à tradição, perceba-se o pedido de que a Igreja dê ao mundo o que sempre irritou o mundo, a saber, o seu 'testemunho' radical de fé.
Por último: Portugal só cedeu à Inglaterra, culturalmente!, depois da 2ªGuerra. Pergunto ao anónimo de cima se, não obstante, o exilio das nossas elites liberais no séc XIX, por vezes em Londres, algum dos nossos autores sabia inglês. Com efeito, vinha tudo de França. Daí a pertinência do comentário de JSM: a França jacobina foi absolvida no juizo da historiografia e cultura em Portugal por uma questão de coerência- de auto defesa, defesa da espécie, que é diferente de 'legitima' defesa...

Anónimo disse...

Que eu saiba, só se aprendeu inglês em Portugal a partir dos anos oitenta (que tristeza o antigo regime)!

Pope disse...

Pois, a culpa foi do Salazar que guindou os EUA (e o inglês) para a ribalta do mundo da cultura em meados do séc XX...

Anónimo disse...

Que bom que é ver um debate pacífico econstrutivo neste blogue, tantas vezes assaltado por intrusos que não querem mais nada se não ofender.Desta vez foi bem sim senhor!

Anónimo disse...

Não serão os mesmos?

Anónimo disse...

Agradeço ver alguém escrever algo que já me atormenta há alguns anos, nomeadamente o facto do General Gomes Freire de Andrade ter sido um traidor, pois esteve ao serviço dum país invasor de Portugal (algo a que não estava obrigado, ao contrário de muitos humildes soldados que não tiveram essa hipótese) e ainda ser aclamado "Mártir da Pátria". Será que tal se deve por o dito senhor ser grão-mestre da Maçonaria? É que, ao mesmo tempo que o rei, num acto esclarecido, já previsto desde os tempos de D. João IV, embarcava para o Brasil para preservar a independência do reino, a maçonaria portuguesa dirigiu-se a Sacavém para receber o invasor de braços abertos.
A luta continua...

Anónimo disse...

Caro JSM

À data, com as contingências da soberania e independência do Estado, a posição de D. João VI foi crucial. As consequências posteriores são conhecidas mas o que diriam os actuais jacobinos se D. João VI tivesse sido deposto?
Penso que as opiniões actuais são filhas deste regime,melhor, da mentalidade que se esforça por distorcer os elementos essenciais para uma séria compreensão conjuntural da história.