quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Viver e trabalhar em casa

o regresso do trabalho em ambiente doméstico

As mudanças que ocorrem actualmente no mundo do trabalho poderão conferir uma nova forma à casa de família, fazendo dela uma escola ideal de vida.
Assinado por www.mercator .com Data: 3 Novembro 2008

O que faz de uma simples casa uma casa de família? E que tipo de casa de família promove hoje com mais acuidade o bem-estar e o desenvolvimento de todos os indivíduos que nela habitam? Estas e outras questões serão discutidas em Novembro, num congresso que terá lugar em Londres, e que é o segundo de uma série de congressos organizados pela Home Renaissance Foundation. O congresso de Novembro terá como título: Excellence in the Home: From House to Home.
Um dos principais intervenientes neste congresso será Charles Handy, filósofo da gestão, cujas obras acerca da forma como o trabalho tem mudado, e dos efeitos que essas mudanças têm na nossa vida e na vida das organizações, são famosas muito para além do Reino Unidos. Charles Handy fará uma comunicação intitulada: «A casa do futuro. O trabalho em casa». Elizabeth Handy, sua mulher, fotógrafa de retrato que recorre a uma técnica muito específica de familiarização, vai montar, nesse mesmo congresso, uma exposição sobre a casa de família e as pessoas que a constituem.
Nesta entrevista a MercatorNet, Catherine McMahon, membro da Home Renaissance Foundation, questionou Charles Handy sobre a visão que ele tem da casa de família como local de trabalho. ***
Há algum tempo que a casa de família é o local onde as pessoas recuperam do dia de trabalho, para no dia seguinte voltarem a sair, a fim de despenderem as horas produtivas num escritório. Como lhe parece que será a casa do futuro?
Para começar, há-de ser mais do que um local onde se dorme, como tem sido, até certo ponto, na última geração: um local aonde as pessoas vão dormir, tomar uma ou outra refeição, para depois voltarem a sair.
Em minha opinião, a casa do futuro será um local onde as pessoas vivem, trabalham, dormem e descansam; será mais um centro de reunião. Isso deve-se, por um lado, ao facto de ser cada vez mais conveniente as pessoas levarem trabalho para casa; e, por outro lado, ao facto de ser mais dispendioso para as organizações albergarem pessoas durante o dia, quando elas podem perfeitamente fazer a maior parte do seu trabalho fora do escritório. Além disso, a circulação de pessoas tem-se tornado cada vez mais dispendiosa e difícil, pelo que se vai tornando natural que cada vez mais pessoas trabalhem mais tempo em casa se puderem.
Há coisas que não se podem fazer em casa; tem de haver quem nos atenda no supermercado. Mesmo aí, contudo, o serviço é cada vez mais autónomo, de maneira que são necessárias cada vez menos pessoas. Se a senhora quiser ir ao cabeleireiro, também terá de sair de casa. Mas grande parte do trabalho do futuro terá por base a informação; e, uma vez que tudo o que tem de ver com a informação pode ser feito em casa, serão cada vez mais as pessoas que ficarão em casa – mas essas pessoas também saem, não estão sempre fechadas, porque têm necessidade de se encontrar com outras pessoas.
Esta tendência já está a ter impacto na arquitectura. No outro dia, falámos com uma arquitecta que nos disse que, actualmente, todas as casas que planeia têm escritório, porque as pessoas que trabalham em casa precisam de um espaço para esse efeito. Mas também é necessária uma área comum, e é cada vez mais corrente as pessoas quererem combinar a área de lazer com a área onde cozinham e onde tomam as refeições. Teremos, portanto, uma zona comum, com uns a cozinhar, outros a comer, outros a ver, uns a gritar, outros a brincar – uma área que será ampla, que será a zona principal da casa.
De momento, o design urbano empurra as pessoas para irem trabalhar fora de casa, e muitas delas passam imenso tempo em transportes. O que podemos fazer para convencer as autoridades a reconhecerem a importância da casa de família na vida das pessoas?
Eu defendo que o tempo gasto em transportes é muito caro; é caro para a organização e é caro para o indivíduo. Quando pensamos que, na sua maioria, os edifícios de escritórios só estão ocupados durante 40 horas por semana – das cerca de 160 horas possíveis –, percebemos que é uma despesa enorme. É portanto, obviamente, do interesse das organizações ter escritórios pequenos, fazendo deles locais de reunião, em vez de serem locais onde as pessoas se sentam a trabalhar. A ideia é mandar as pessoas trabalhar para casa e só as chamar quando têm de trabalhar em conjunto, de colaborar de forma pessoal, em vez de o fazerem por telefone ou por correio electrónico.
Por outras palavras, a economia – que é a principal alavanca das alterações sociais – vai dizer cada vez mais: por favor, não circulem tanto. É mau para a economia, é mau para a bolsa dos indivíduos, é mau para o ambiente, e por aí fora.
É preciso ser muito virtuoso para trabalhar em casa e trabalhar de forma efectivamente estruturada. É de esperar que as pessoas trabalhem bem em casa?
Sim, claro, é necessário aprender a trabalhar em casa, e é necessário aprender a gerir as pessoas que trabalham em casa. Mas tem de se confiar em que farão o trabalho, e deixá-las decidir quando. Nem toda a gente começará a trabalhar às 8.30 da manhã; algumas pessoas hão-de trabalhar noite dentro, porque é nessa altura que os filhos estão a dormir e que há silêncio em casa, e podem muito bem ir às corridas durante o dia. Pois muito bem. Se um empregador começa a telefonar aos empregados de hora a hora, para verificar se eles estão a trabalhar, isso é um disparate. O empregador tem de lhes dizer: “Quero este relatório na segunda-feira; tanto me faz que o faça no sábado, no domingo, ou na sexta-feira.” A meu ver, esse é o melhor tipo de gestão: o trabalho está feito? É de boa qualidade? Foi feito a tempo e horas? Era aquilo que se pedia? O empregado é que decide quando e como o fará, e com quem conversa nos intervalos. Parece-me que isso é substituir a tirania pela liberdade.
As crianças, ou pelo menos os adolescentes, passam cada vez mais tempo ao ar livre, em actividades ou com os amigos, do que em casa com a família. Como transformar a casa da família num local onde os miúdos gostem de estar? É bom andar na rua a fazer coisas; os jovens não gostam de estar permanentemente com os pais. Mas parece-me que as refeições são momentos marcantes na vida, e que os filhos devem estar em casa à hora das refeições, pelo menos de algumas. Acho mesmo que uma família que come em conjunto não se desfaz. O que me entristece na vida moderna é o facto de os miúdos terem mentalidade de nómadas: vão ao frigorífico e levam a comida para o quarto. Tenho estado em casas onde não existe uma mesa de refeições, de maneira que a família não tem sitio onde comer em conjunto. Cada um deles pega num prato, serve-se e senta-se no sofá, diante da televisão, a comer. Não tem mal nenhum fazer isso de vez em quando. Mas parece-me que fazer as refeições em conjunto faz parte da vida familiar.
Para isso, tem de haver uma mesa comum, de preferência na cozinha – e não noutra sala, porque isso torna as coisas excessivamente formais. A cozinha tem de ser o local onde, para além de se cozinhar, também se come; idealmente, será aberta para um espaço comum. Mas as pessoas também precisam de privacidade, para além dos espaços destinados à vida em comum.
Acha que as actuais tendências, em termos de concepção das casas, são em geral boas, más ou indiferentes? O que lhe parece que temos de melhorar? No meu livro, conto que, ao longe de 25 anos, nós fomos mudando a cozinha de lugar em nossa casa, porque a função da cozinha se foi alterando à medida que a família foi aumentando. Tivemos a possibilidade de fazer isso, porque tínhamos uma casa vitoriana, cujos compartimentos não tinham sido concebidos para actividades específicas; eram simples espaços. O problema de grande parte das habitações modernas é o facto de os quartos, as salas, a cozinha, etc., serem determinados à partida, o que não permite grande flexibilidade, de maneira que, quando a família aumenta, ou se altera, torna-se necessário mudar de casa. Parece-me preferível ter compartimentos multifuncionais. As famílias mudam; os filhos saem de casa; os filhos voltam para casa… Temos de ser nós a fazer o espaço; não pode ser o espaço a fazer-nos a nós.
Seja a mãe ou o pai a fazê-lo, é importante alguém tomar conta dos filhos e da casa. Não lhe parece que a sociedade devia reconhecer melhor o valor desse trabalho e – não necessariamente remunerá-lo, mas – valorizá-lo de alguma maneira? Sem dúvida nenhuma. Acabamos de fazer um estudo em Suffolk, em Inglaterra, sobre as pessoas que são as encarregadas da própria família, e chegámos à conclusão de que havia 98.000 pessoas que tinham abandonado a carreira para tomar conta de algum membro da sua família. Recebem um subsídio por isso, um subsídio mínimo, dado pelo governo, por esse trabalho incrivelmente valioso, que poupa imenso dinheiro ao país. Depois, há o trabalho de educar os filhos, de cozinhar, e por aí fora – que são tarefas incrivelmente valiosas. Volta e meia, ouve-se dizer que o trabalho de uma dona de casa, ou de um dono de casa, vale 30.000 euros por ano, mas como é que isso se avalia efectivamente?
Precisamos imenso de encontrar uma maneira de reconhecer formalmente o valor desse trabalho; é uma coisa em que ando a pensar há muitos anos. A verdade é que não sei como fazê-lo. Mas tenho a impressão de que toda a gente reconhece – em particular numa altura em que são cada vez mais os homens que o fazem – que é de facto trabalho, que não se trata de uma espécie de lazer; de maneira que a cultura está a mudar, e são cada vez mais as mulheres, e alguns homens, que dizem: O meu trabalho é cuidar dos miúdos.
Numa das famílias que andámos a fotografar para este congresso, é o marido que fica em casa. Faz uns trabalhos no computador, mas a sua principal actividade é cuidar da casa, dos filhos e cozinhar durante a semana. A mulher cozinha aos fins-de-semana. Parece-me que, quantos mais homens se dedicarem a essa tarefa, mais se reconhecerá que se trata de trabalho a sério.
Para mais informações sobre o congresso Excellence in the Home: From House to Home, ver www.homerenaissancefoundation.org

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