terça-feira, 26 de agosto de 2008

Geografia da Felicidade (I)

A semana passada deparei-me com um programa na SIC Notícias que dava conta da transformação do Convento das Bernardas, em Tavira, num empreendimento residencial de luxo.

O Convento das Bernardas, actualmente em ruínas, foi o único da Ordem de Cister na região Sul. Foi mandado construir, em 1509, por D. Manuel I, como acção de graças pelo insucesso que teve, no "Algarve de além mar, em África", um cerco mouro, à cidade de Arzila. Posteriormente, o edifício terá sido cedido a D. Fernando Coutinho que, em 1530, o concluiu e o entregou às Monjas de Cister, que durante três séculos ali viveram uma vida de oração e de trabalho.

Impressiona que também tenha sido de Tavira, após quase 14 anos de permanência no Algarve, que saiu no dia 10 de Julho último a Irmã Miriam Godinho, regressando à Abadia em França de onde veio com o propósito de fundação da Ordem de Cister em Portugal, o que não foi avante.

Impressiona que aquele que foi o convento de uma Ordem caracterizada pela austeridade, austeridade essa que bem vi nas vezes que estive com a Irmã Miriam em Faro e em Tavira, seja agora, exactamente na mesma altura em que a única Monja Cisterciense de nacionalidade portuguesa regressa a França, transformado num condomínio de luxo, em que o preço médio de construção ronda os 3200 euros por m2, indo os apartamentos T0, com áreas entre os 79,5 metros quadrados e os 99 metros quadrados, ser comercializados por valores entre os 200 e os 300 mil euros.

Não obstante a importância da recuperação do edifício, tudo isto diz bem acerca do valor que os espaços sagrados têm para o pensamento contemporâneo. De norte a sul do país assiste-se a uma transformação/recuperação (degradação) dos lugares outrora consagrados ao culto, à oração, à penitência e à contemplação em modernas (?) unidades cativas do desenvolvimento turístico.
Com aparato desconcertante descartam-se experiências de felicidade verdadeira por hodiernas concepções mais esclarecidas do dever ser de felicidade, bem mais próximas de exacerbado movimento de excitação dos sentidos do que de um sereno apelo ao desenvolvimento de experiências comprometedoras de racionalidade.

O valor comercial das celas de acordo com as tipologias disponíveis seleccionam os candidatos a uma inefável experiência de posse associada a um carrossel de outras benesses que estas coisas sempre trazem, mas há aqui uma ilusão que ofusca a mente dos futuros beneficiários destes lugares: são herdeiros da herança nietzschiana da morte de Deus – por isso adulteram o uso do espaço sagrado – e, porventura, ignoram-no e, por outro lado, admitem ter alcançado um absoluto que os inebria/aliena do sentido da realidade.

No meio deste turbilhão de eventos e de estridente alarido vimos partir, parece que sem retorno, a Irmã Miriam. É difícil não estranharmos e não nos interrogarmos perante este aparente recuo do Céu face à mundaneidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Algarve de Alem Mar = Marrocos