quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O Imperador

Homenagem ao Pe António Vieira
nos 400 anos do seu nascimento

A fachada erguia-se ancestral e rude.
Sibilavam ventos e sons guturais, lançados das portas.
Escárnios e cantigas negras abafavam a harmonia.
Convidados a entrar, os gonzos pesados gemiam ainda agonias.

Outro espectáculo nos era dado considerar
para lá daquele primeiro abalroamento de ruídos:
salas renascentistas homenageavam os grandes da família.
Aprumados e apurados viam-se os ancestrais maiores,
épicos e líricos desse reino.
E era voz de Príncipe a que elevava sublime o canto da nossa gesta.

Depois, porém, fomos ensurdecidos com a fantasia.
Sucediam-se salas de oiro e de brilhos barrocos,
salões sumptuosos,
e bailes apaixonados de palavras.

Mordomos vários indicavam ao séquito estar, todavia, já próxima a sala do trono.
O rigor arquitectónico era agora limpidíssimo. Preciso.
Notavam-se subtis escadarias em espirais.
Pelas janelas inacianas entrava uma luz suavíssima.
E os ares eram rarefeitos.
Havia fragrâncias que sugeriam raridades exóticas.
Tingidas de sangue as tapeçarias expunham tons vários
denunciando crimes, combates e enredos mil
que o palácio escondia.

Mas chegados, então, junto da majestade
eis que nos abriu os braços em gesto largo de nobreza atlântica
o velho sábio de mãos de filigrana e nervo:
santo incontestável da liberdade da terra e da língua,
prega-dor da doçura de floreados levíssimos,
o nosso mui pobre senhor, António Vieira
búzio do mistério da pátria,
sacerdote do destino católico de nós todos,
destemido navegador da língua,
mártir da paixão por um Portugal de honra e beleza.

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