segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Aborto, um ano depois...

Os Santos Inocentes

Tenho sete razões – diz Deus - para amar os inocentes assassinados por Herodes.

A primeira é que os amo. E isto basta.
Tal é a hierarquia da minha graça.

A segunda é que gosto deles. E isto basta.
Tal é a hierarquia da minha graça.

A terceira é que me agrada. E isto basta.
Tal é a hierarquia, a ordem e a regra da minha graça.

E agora vou dizer a quarta razão:
É porque as crianças não têm na comissura dos lábios
essa contracção de ingratidão e amargura, essa ferida de envelhecimento,
essa contracção de recordações que vemos em todos os demais lábios.

A quinta é por uma espécie de equivalência.
Porque, por uma espécie de contrapeso, estes inocentes pagaram pelo meu Filho:
Enquanto jaziam sobre o solo dos caminhos, das cidades, das aldeias,
menos tidos em conta que os cordeiros, os cabritos, e os leitões,
o meu filho fugia para o Egipto.
De modo que se deu uma espécie de quid pro quo,
uma espécie de mal entendido,
porque esses inocentes foram confundidos com o meu Filho,
e assassinados por Ele, em vez dele,
não só por causa dele, mas por Ele, crendo que era Ele.

A sexta razão é que eram contemporâneos do meu Filho,
da mesma idade, nascidos ao mesmo tempo,
e todos fazemos o que podemos pelos nossos colegas de curso,
e eles foram do curso, eram da turma de Jesus.

A sétima razão –e porque ei-de calá-la?-
é que também eram parecidos com o meu Filho.
O meu Filho era alguém terno e novo como eles,
E desconhecido como eles.
Não tinha na comissura dos lábios essa dobra de amargura e ingratidão,
nem essa outra dobra de rugas nos sobrolhos,
a dobra das lágrimas e de ter visto muito,
nem tinha nas comissuras da memória a dobra de não poder esquecer.
Ignorava ainda as vicissitudes que o esperavam,
tudo aquilo que mais tarde deixaria um eterno rasto:
a coroa de espinhos e o ceptro de cana
e a terrível agonia do calvário,
e a ainda mais terrível agonia na véspera no Jardim das Oliveiras.

Estas são a sexta e a sétima razão que tenho para amar os inocentes:
que me recordam o meu Filho como era
se não tivesse mudado logo,
recordam-mo quando era belo,
quando nada dessa terrível aventura ainda não tinha acontecido.

Eis aqui porque amo as crianças inocentes:
porque entre todos são elas as melhores testemunhas do meu Filho,
os Meninos-Jesus que não foram grandes nunca.

Charles Péguy

1 comentário:

Anónimo disse...

Grande,grande,um texto fabuloso,enorme, um milagre. Abrir o computador e encontrar um texto assim é uma Graça. Desculpa-me o coração: sinto-me orgulhoso de poder pertencer a esta gente a esta gente que ama Péguy, o mais sábio de todos. Obrigado Pe. Pedro.