quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Uma cruz antiga

Houve um tempo em que velavas descalça, e os pés bonitos, (era preciso vê-los), sobressaíam no desconjunto da figura, e desse tempo, mais a voz rouca que bradava, ficou o teu retrato de mulher maltratada.
Houve um tempo em que amaste, e choraste, e voltaste a amar, da única maneira possível… ah, pois, os vícios, de mal a pior, não falemos nisso agora.
Houve um tempo em que foste menina e moça, como cantava Bernardim! Pouco sei da tua infância, mas se nunca me falaste nela, é porque não interessava. Ainda assim, deixa-me imaginar os olhos escuros rasgados e os sonhos claros alados de uma rapariga do norte!
Houve um tempo em que te conheci por dever de circunstância, tempo de lamber feridas, tempo de esperança, que foi crescendo até à insuportável ilusão de uma vida renovada!
Nesse tempo, candidamente, ofereceste-me um azulejo com o emblema que me agrada, uma cruz encarnada que pintaste sobre o azul do céu!
Depois, houve um tempo para tudo, para saíres e voltares, e partir outra vez, quase definitivamente, enquanto a tua cruz esmaecia, e é hoje um traço apenas de uma cruz antiga.

(memórias da Cândida)

3 comentários:

Anónimo disse...

Tocante passagem!

Rita LM disse...

Obrigado João por estas memórias, tão vivas da nossa Cândida!

Pe Pedro disse...

Muito feliz na dignidade e bondade com que lembra a Cândida!