A Net e o hábito de bem ler...
"Antes era um mergulhador no mar das palavras. Agora sobrevoo a superfície como num Jet Ski." Quem escreve é Nicholas Carr, ex-director da Harvard Business Review, na The Atlantic Monthly, uma das revistas mais lidas pela elite progressista norte-americana. Provocatoriamente intitulado "Estará o Google a deixar-nos tolos?", as suas reflexões deram muito que falar.
"Tenho a sensação - diz Carr - de que a Internet está a entorpecer a minha capacidade de concentração e de observação. A minha mente está a habituar-se a recolher informação tal como a distribui a Net: um fluxo de partículas minúsculas que se movem a grande velocidade." O receio de Carr não se refere aos conteúdos da web. Vai mais longe. A sua preocupação reside no facto de a web poder estar a ferir os nossos mecanismos mentais. Inquieta-o o modo de ler próprio do internauta, a maneira e os critérios de seleccionar, de memorizar. E mais ainda, o efeito demolidor que poderia ter sobre a capacidade de concentração.
"Antes eu não pensava como pensava, mas sentia que o meu conhecimento se fortalecia ao ler. Submergir-me num livro ou num artigo de fundo era fácil. A minha mente podia seguir a narração ou as voltas do argumento, e podia passar horas a percorrer os atalhos da prosa." Assim recorda Carr os felizes tempos anteriores à glaciação Internet. "Isto parece-me cada vez mais estranho. Agora a minha concentração começa a dispersar-se depois de duas ou três páginas. Fico inquieto, perco o fio à meada, começo a procurar coisas para fazer." A leitura perde parte do seu sereno encanto: "Sinto que o meu cérebro fica à deriva, que tenho de forçá-lo a voltar ao texto. A leitura profunda que acontecia naturalmente converteu-se numa luta".
O autor não pretende suscitar alarmes gratuitos e incendiários, mas alertar para um mal que requer soluções. Sustenta que se trata de algo generalizado e de facto apoia-se em entrevistas a outros intelectuais internautas que partilham da sua perplexidade perante o fenómeno. Assim, Bruce Friedman, editor de um blog especializado em Medicina, disse que também ele tem notado como a Internet está a alterar os seus hábitos mentais: "A minha capacidade de ler e de assimilar um grande artigo na web ou impresso está quase perdida". Carr tem em conta o relato pessoal deste patologista da Michigan Medical School, que afirmava também que agora é capaz de digitalizar breves passagens de texto em múltiplas fontes da Internet, mas "já não consigo ler Guerra e Paz". "Perdi a capacidade de o fazer - admitia Friedman. Até uma entrada no blog de mais de três ou quatro parágrafos é demasiado para assimilar." (...)
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