quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Madeleine

A Inglaterra campeã do mundo de fair-play. Campeã de cosmopolitanismo. Artifice dos principais jogos que divertem o mundo: whisky, gin e smoking, mais os beatles, os pink floyd e outros, a que acresce o football, o rugby, o poker e o king...
A Inglaterra, também, na linha da frente dos jornais sensacionalistas, de devassa da vida privada das suas estrelas. Despida de preconceitos e do resto da roupa. Exorbitante no consumo de álcool. E de haxixe. E heroína e coca. E massivamente consumidora de televisão & comp.
A Inglaterra que inventou uma princesa que parecia vinda de um enredo da periferia.
A Inglaterra formalmente religiosa: nos concertos dados nas abadias, nas nomes bíblicos das academias universitárias, no enterro solene dos seus personagens e no que mais resta de alguns gestos tradicionais. Stop.

Esta parte do mundo que esquece o resto do mundo e que se chama ocidente.
Esta parte do mundo que se esquece da injustiça no mundo (como, por exemplo, no Darfur, na China esclavagista, na Cuba (ainda) despótica, na África exemplarmente descolonizada…).
Esta parte do mundo que se gaba de ser racional face ao resto do mundo.
Esta parte do mundo a proibir a caça à raposa. A ter horror aos touros de morte. A sofrer com o desumano abandono de animais durante o período de férias. Com medo dos transgénicos. Ferozmente anti-tabaco. Com diferentes ASAE’s da UE inventariando crimes a exterminar.
Esta parte do mundo onde o aborto é legal e que luta pela manipulação genética. E pela eutanásia. Que vulgariza a homosexualidade. Aqui onde as ‘pedofilias’ todas tentam emergir legais. Onde há um medo paranóico do sofrimento. E medo do outro. Onde o medo anda travestido de tudo por medo daquela que, iniludível, nos virá buscar…

A culpa. Essa culpa de existir sem porquê, para nada. A angustia. A culpa por não haver nada a fazer com a culpa, senão compras, umas férias longe, e a tentativa de sermos comunidade na sensação que muita televisão nos dá de nos conhecermos todos bem. A culpa de sermos uma civilização que não o é.

O mundo chamado ocidente a viver a sua peregrinação possível. Obviamente de costas voltadas para a Jerusalém do alto. Obviamente, também, desconfortável face aos sanguinários gestos pré-colombianos. Intrepidamente contra os direitos absurdos da divindade muçulmana. A achar graça, porém, a essa finta que lhe permite voltar a apresentar-se a exame no ano seguinte, na reencarnação seguinte, deixando para depois a sua responsabilidade de hoje…Mas sem deixar nunca de ser racional.

A organização da existência sem Igreja, na posse da existência, dos seus sucessos e culpas, sem ritos sacrificiais. O sacudir da memória cristã, na aflição com a hipotética denúncia que outrem possa fazer reconhecendo vestígios de dogma.

Uma família classe média que aparenta classe. Os pais médicos=modelos de vida saudável e moderna. Férias comuns numa praia do sul. Das suas três crianças indefesas, a mais velha desaparece. Evidentemente raptada, provavelmente em direcção a Marrocos. A imediata identificação de todos com o amor dos pais. Mimetismo afectivo. A convocação automática da comunicação social, para salvar a criança perdida, para interceder, para explicar tudo, para fazer o julgamento sumário dos criminosos. Surge uma grande comunidade na dor, nos gestos sentimentais, como o das velas acesas, e na partilha de alguns trocos em favor de um saco azul de uma benevolência difusa.
A posterior complexidade da coisa. O avolumar de suspeitas sinistras que envolvem a Mãe! e o Pai!...

O relativizar da culpa privada. O eliminar de uma consciência sagrada face à culpa, sem o que o homem mente!! A insignificância da justiça divina face à potência do juízo televisivo. A irrelevância do pudor e do silêncio face à violência. O inferno bíblico considerado ridículo. A necessidade de reparação urgente: eficácia na punição. A comunhão com os que pareciam ser vítimas tornada ódio seminal pois, afinal, parecem ser eles os culpados.

A necessidade de ocupar o lugar que Ele deixou vago e poder dizer: omnisciente vejo tudo. Pornografia seria haver ainda algum segredo. Perscrutar, com os novos sumos sacerdotes da alma, a psique. Sou juiz: tu tens culpa, eu não. Não te esquecerei. Jamais!
Pelo menos até que outro episódio escandaloso me permita passar adiante, esquecendo tudo o que está por resolver, em mim…

3 comentários:

FernandoRebelo disse...

São eles que são católicos.
Eu sou agnóstico.
O Chefe da Igreja Católica Apostólica Romana abençoou-os.
Excomunga, o mesmo Chefe da dita Igreja, a pobre que aborta, não aprova o uso do preservativo.
Hipocrisia.
É o nome.

Espectadores disse...

Caro Fernando Rebelo,

Obrigado por se definir como "agnóstico", mas nos tempos que correm, era útil que isso viesse acompanhado de uma definição mais precisa. Que tipo de agnóstico é?
O agnóstico "neutro", que prefere reduzir a espiritualidade ao mínimo, para evitar ter que discutir o que é verdadeiro ou não em termos espirituais?
Ou o agnóstico "new age", que acha que nos temos que conectar à "energia cósmica" para alcançar a paz?
Ou outro tipo de agnóstico?
É que há muitos, compreende? E é bom conhecer um pouco o nosso interlocutor para que se estabeleça melhor o diálogo.

Para ajudar, eu faço a minha parte: sou católico.

«O Chefe da Igreja Católica Apostólica Romana abençoou-os.»

Abençoou-os como abençoa qualquer pessoa que se aproxima dele a pedir a benção. Ou considera o Pontífice capaz de fazer um raio-X aos eventuais crimes interiores de todos os que lhe pedem benção?

Se os pais McCann forem considerados culpados pela Justiça, isso fará do Papa um cúmplice?

Não se ofenda com a minha pergunta! Só quero perceber como é que o meu caro Fernando pensa.

«Excomunga, o mesmo Chefe da dita Igreja, a pobre que aborta»

Excomungará também a rica que aborta, ou o "parteiro" que ajuda ao aborto, ou o "médico" que mata a criança. Excomunga porque abortar é matar.

«não aprova o uso do preservativo»

Com todo o respeito, o que é que isso tem a ver? "Hipocrisia", diz o Fernando. "É o nome", diz o Fernando.

Hipocrisia de quem? Quando? Em que contexto? Sobre o quê? Em relação a quem?

É fácil decalcar umas frases soltas do "catecismo" anti-católico vigente. Dá mais trabalho substanciar as acusações num texto coerente e específico.

O diálogo só é possível com seriedade e frontalidade. E isso obriga a sermos objectivos na forma de comunicar.

Cumprimentos,

Bernardo Motta

Anónimo disse...

caro, Fernando

diga-me uma coisa uma passoa tão letrata, tão acima de todos nós, tão alinhado com o poder, como é que não faz parte do executivo do nosso governo? como não é que não tem uma catedra numa universidade? não publicou nenhum best-seller? deve ser muito frustante para si só ter voz a fazer uns comentários ressabiados, deve ter a mania da perseguição não? sabe que do tipo de problemas de que sofre também se sai, MAS NÃO SE SAI SOZINHO...
As suas melhoras, peça ajuda olhe que no seu caso é urgente.