segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Visitas

Visitar a minha terra de lés a lés.

Cansar-me das suas desfigurações: acusá-las, gritá-las.
Coisas minhas -eu- atingidas, tingidas de decadência.

Chegar a cada canto e sofre-lo.
Chegar a cada canto e quere-lo.
Chegar a cada canto e dizer: “Mãe, cheguei!”

Celebrar as paisagens que dão sobre o mar
e as outras sobre a planície
que é também um mar
seco.
Dizer a vivacidade dos rios úberes
ou dos ribeiros rasos,
veias veios que sangram aflições.
Gostar dos pinheiros mansos, sempre de férias.
Reverberar suspeitas sobre os eucaliptos.
Encantar-me com as olaias.
E parar diante de um sobreiro,
soberbo.

Achar graça à pardalada.
Entrar na festa das andorinhas.
Perceber nas gaivotas o gosto pelos voos fúteis,
sempre por perto.
De quando em vez acompanhar a pretensão da águia,
que vê de cima.

Conviver com os seus escultores:
na capela levantada sobre o cabeço inacessível,
num rosto talhado a enxó
ou na face graciosa,
no assomo de carácter percebido no cão de raça
ou na expressão vernácula do dizer.

Seus maiores:
Os que fizeram os muros românicos e os barcos e os socalcos e as cidades
e inventaram sabores e fizeram vinhos e quintas
e as cantigas tristes
mais as outras,
airosas e felizes.
E os pormenores.

Bendizer os que se aventuraram:
a defender muralhas ou a embarcar prá Índia,
os que fizeram caminhos e casas lá onde a fome e a coragem os levou.
Conhecer-lhes o berço. Honrá-los.

Ser abraçado pelos seus.
Ser educado na resistência
só possível aos pobres.

E ter saudades.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ao ler este texto, também eu sinto saudades do que não vi, mas sinto (re)conhecer tão bem... e com o mesmo gosto!!