quinta-feira, 14 de junho de 2007

As perguntas dos ricos

Há perguntas que são um buraco na existência. A rapariga vestida de verde fala da sua vida na Holanda, de assinar um contrato sem conhecer a língua. A entrevistadora de pé diante da rapariga sentada, pergunta: "Como é que arranjou um trabalho sem conhecer as coisas como eram?" Resposta: "...sabe...estou desempregada há muito tempo quando me apareceu o anúncio no jornal..." "Não foi demasiado imprudente?" pergunta. Com a melhor das intenções os ricos esfolam os pobres. A pergunta é o único tijolo que a sustenta. Ela fala da dor, os gestos de humilhação sobram-lhe. Não ter nada no nosso tempo é o desemprego. A fome é não ter trabalho. Não ter valor, não potenciar nenhum acto de estima pelas coisas, pelo mundo. Fugiu para a Holanda porque dentro dela já não existia. Só lhe resta a TV, a raiva e a dignidade. Existem perguntas que nunca se fazem. Estão coladas na pele, no dorso de dentro, nos fios cortados do choro. Há perguntas que não têm cicatrizes. Os ricos, a televisão, os profissionais das perguntas, não podem viver inchados de intenções. Diante dos pobres a intenção mata. Os "prós e contras" desta semana foram salvos pelo António Esteves Martins. Se não fosse ele, a bomba teria estourado. Os pobres seriam farrapos, escória, vazos de lixo. A parte de dentro de um homem, o que está lá no fundo, é inantigível. É o lugar de mistério, de tensão.

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