sábado, 16 de junho de 2007

O reconhecimento


Conforme notícia do jornal Público de hoje, “a comissão que regulamentou a lei do aborto decidiu que não será mostrada a ecografia do embrião à mulher quer vai abortar, contrariamente às recomendações do Presidente da República…”.
Segundo aquele jornal, Maria José Alves, obstreta membro da comissão, sustenta que seria “abusivo” mostrar a ecografia, devendo esta ficar na posse do médico e no processo clínico da mulher e indo servir apenas para questões médicas – para datar a gravidez, para concluir que tipo de aborto é o mais adequado (como se algum tipo o pudesse ser) ou para saber se a gravidez se está a desenvolver sem problema. Caso se constate que a gravidez não seria viável, o facto será dito à mulher por ser “importante em termos psicológicos”.
Já ninguém tem dúvidas: subtrai-se parte da informação que podia influenciar a decisão da mulher e considera-se que a mesma é a responsável pelo seu acto, reconhecendo-se que a sua decisão não poderá deixar de lhe causar problemas psicológicos.
Não se espera coerência, pelo menos, dos que governam o país, nesta, como noutras matérias. O pragmatismo com que se decide acerca da vida das pessoas, nos métodos, em nada se diferencia das ideologias mais anacrónicas. Mas estas, ainda assim, justificavam a acção em função de princípios – discutíveis, concerteza, mas princípios.
A invenção da arma de fogo trouxe consigo a oportunidade de aniquilar o “oponente” sem deixar na alma a marca do remorso, fruto da assombrosa visão provocada pelo testemunho do sopro pneumonológico que abandona o corpo lentamente e transforma a expressão de um rosto em agonia em absoluta inexpressão.
Esta experiência última constituía o embaraço decisivo que haveria de tornar o acto de violentar o outro desprezível.
O outro, a visão do outro, do seu rosto, é fonte de inestimável arcaboiço de aprendizagem de humanidade. Especialmente aprendizagem de misericórdia: “Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse…” – Mc, 10, 21.
O temor do legislador é que, por via do fitar do olhar, se revele a afeição, o amor profundo e se dê início a uma cumplicidade entre dois seres indeclinavelmente unidos.
O que se teme é que se passe da afeição provocada pelo olhar à fase da tomada de consciência de um outro, um outro eu. Essa é a fase da linguagem: “…e disse…”.
Teme-se, inexplicavelmente, que a mãe veja, se apaixone pelo seu filho e diga: - Meu filho.
Teme-se que a mulher se descubra mãe no reconhecimento da sua humanidade, na vocação da sua maternidade.
Como se pelo facto da mulher não o ver, o seu filho deixasse de existir.
A cultura de morte que esta lei institucionaliza resulta de uma obliteração tirânica de oportunidade do reconhecimento: o reconhecimento de uma vocação.

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