O homem que se droga
Caminhas ao longo da estrada, cansado e alheio a tudo, como se procurasses o lugar onde teu pai e tua mãe se encontraram. Tens a barba por fazer, de muitos dias, nem tu sabes o tempo que não te olhas ao espelho.Tens pressa, porque tens medo de ti e não queres que os outros te digam que não vales nada. As coisas da tua vida são uma conquista e o que sabes é que não podes parar. Queres chegar a tudo, mas há muito tempo que perdeste o ponto de partida.O egoísmo, a ganância, e a afronta tomaram conta do teu coração e tu dizes que és um homem. Tornaste-te mentiroso, os teus sentimentos voaram para longe e as tuas veias ficaram secas. Já não és carne e o teu espírito alimenta-se das sombras. Só guardas rancor dentro de ti, esqueceste teu pai e já não sabes o nome dos teus filhos. A única vitória que tens é os outros terem pena de ti. Mas como estás tão fraco, também isso se tornou um engano.Tudo se transformou para ti numa ausência, os barcos no cais e os figos que comias, as mãos de tua mãe que te acariciavam antes de dormir. Tu já não és nada, o que te fica é a música da discoteca do sábado à noite que é o teu único desperdício de suor. Não conheces a forma da luz das manhãs sobre as rochas, nem o restoar das aves que se desperdiçam no azul. Não tens mulher, nem casa e abandonaste a memória. És feliz quando dormes nas folhas de cartão e ficas a balançar contra o muro velho. Tens orgulho nos teus pés inchados, nos hematomas sucessivos, e nos dentes da tua boca que te caem um a um. És generoso quando vais comprar e te sacrificas a procurar as veias do outro. Já não tens raiva, não és capaz de gritar, e estás contente por nada mais te interessar. Mudas de passeio para não te encontrares com os teus filhos porque eles não valem nada. Não tens medo e tornaste-te um monstro. Não sabes o teu nome, as tuas raízes desprenderam-se da terra, não tens pai e mãe.
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