segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O tratamento por tu

Nos povos primitivos a linguagem era naturalmente primitiva, foi portanto com muito esforço que conseguimos sair do ambiente das cavernas, das pinturas rupestres, dos primeiros sinais de escrita, que podiam significar muitas coisas ao mesmo tempo, até chegarmos à actual riqueza vocabular e verbal. As relações humanas, cada vez mais complexas, exigiam uma linguagem e uma gramática cada vez mais complexa. É portanto fácil distinguir o grau de civilização de um povo pela sua riqueza vocabular, índice seguro de que passaram por muitos e variados cabos de esperança e de tormenta!

Felizmente que os portugueses têm verbos e expressões para tudo e mais alguma coisa, ao contrário de outros povos que medem a sua grandeza apenas pelo tamanho dos obuses! Para dar dois exemplos, os franceses têm poucos verbos e assim “avoir” pode querer dizer duas coisas – ter e haver! Nos ingleses, “you”, significa ao mesmo tempo ‘tu’ e ‘você’! Ou seja, os ingleses praticam e entendem-se actualmente numa linguagem primitiva! A simplificação, neste caso, não corresponde a nenhum avanço civilizacional no campo das relações humanas, que se tornam menos claras, mais pobres em termos de significado, o que constitui um indubitável retrocesso.

Mas a linguagem é a expressão da realidade e por isso não admira que “com orgulho e erro” assistamos à tentativa de justificar procedimentos deseducativos e rudes, à luz de uma ideia de falso progresso, como se fosse tudo “igual ao litro”! Assim, os pais aceitaram que os filhos os tratassem por ‘tu’, porque é moderno, para encurtar distâncias geracionais, porque acham que pais e filhos são a mesma coisa, ou por outro motivo ainda mais obscuro! Outros tratamentos, que marquem a distinção, a diferença, a cerimónia, tendem a ser abolidos, em nome do igualitarismo dominante, em que vale tudo, inclusivamente a falta de respeito pelo outro. Pelo próximo.

E assim vai o mundo… e a barbárie.

4 comentários:

Anónimo disse...

JSM,

Fui eu que o tratei por.

Você é mesmo um puto mimado, não é?

JSM disse...

Puto?!

Anónimo disse...

Eu sempre tratei os meus pais por "tu" e não é por isso que não lhes tenho o devido respeito, ou que ache que é tudo "igual ao litro". Sempre me soube "pôr no meu lugar", sempre soube a diferença entre pai/mãe e filho. Acho que tratar os pais por "tu" não é, por si só, negativo. Tudo depende da maneira como os pais educam os filhos.

JSM disse...

Entendo o que quis dizer, mas eu não personalizei a questão. Como Você, existem muitas pessoas nas mesmas circunstâncias que também podem argumentar o mesmo, e eu acredito. Mas eu quis chamar a atenção para o perigo das simplificações e sobretudo para as causas dessas mesmas simplificações. Causas que não se podem desligar da pobreza cada vez maior das relações humanas. Tu cá, tu lá, pão, pão, queijo, queijo, parecem expressões carregadas de virilidade e franqueza, terão a sua ocasião e mérito, mas a vida dos homens não se reduz a isso, tem outra riqueza, e por consequência, outra expressão.
Um exemplo: alguns pais aceitam que os filhos os tratem por tu com o argumento de que os filhos são os seus maiores amigos! Sem querer, abdicam da sua condição de pais e educadores e tendem a relacionar-se com os filhos no mesmo plano, tal como os amigos o fazem uns com os outros. Esta confusão é perigosa e passa uma mensagem errada, aos filhos, e à sociedade em geral, também sem querer.
E como da confusão nunca nasceu a clareza...
Agradeço o seu comentário.