O pensamento e a vida
Por um mero acaso, num monte de jornais perdidos, encontrei uma entrevista com Eduardo Lourenço.É na Pública de 13 de Maio. É uma conversa fabulosa, enorme.Aqui lemos os actos escamados pelo tempo, o pensamento torcido com a vida, a dor da memória. Deixo apenas alguns exemplos. A infância - "Uma imagem que me marcou muito, de um certo terror, foi uma imagem de vermelho- penso que seria um camião que distribuia carnes." Maio de 68- "A cultura de referência marxista era hegemónica nas universidades francesas.Isso terminou em Maio de 68 que, na aparência, foi contra o gaullismo,mas, na verdade, era um outro marxismo, uma outra esquerda,que vinha combater o PCF." Alargamento da União- " Discute-se se a Turquia deve entrar na nossa União e ignora-se a Rússia, que faz parte da Europa desde que nasceu ou desde que se converteu à fé ortodoxa.É espantoso haver esta cegueira."A televisão - " Estamos todos na mesma casa de banho.Continuamos numa ilha, agora com vistas para o mundo inteiro, mas que são só vistas." Fernando Pessoa -" Servi-me do Fernando Pessoa para ir para um outro sítio, onde não possa ser localizado." Estado Novo - "Não me valham contar histórias. Em 45 uma parte do povo português, se não tinha pelo regime um entusiasmo delirante,aceitava-o.Só uma minoria contestava-o." O cristianismo - "... considero que os valores do cristianismo não desapareceram, se é que alguma vez entraram como deviam.Penso que esses valores são ainda o futuro do passado, e não a sua morte." Portugal - " Os portugueses foram para todo o lado, mas nunca saíram, levaram a casinha com eles." Esta entrevista é um rasgo de luz.É sobre nós, a nossa vida.
2 comentários:
Gito
Gosto mais de ler as tuas memórias (que ainda não escreveste) que os apertos de alma do ensimesmado Eduardo Lourenço. A propósito, onde é que estava este Eduardo no 25 de Abril?! Afinal o que é que o homem propôe? E porque é que em 45 estávamos com o Sporting, perdão, com o estado novo, e em 'Abril' virámos todos à esquerda!
A Rússia faz parte da Europa e da Ásia, tal como a Turquia, só que o pós-guerra ainda não acabou, basta ver quem dá as ordens, e por isso esta aparente globalização esconde a política de blocos que ainda não passou. "Por isso o Nilo há-de correr no Egipto..."! Lembras-te do lamento de Albuquerque no poema do Torga?! Quando sabíamos quais eram os nossos interesses em termos comunitários! Não foi o Putin que ameaçou apontar de novo os mísseis para a Europa se o nosso amigo Bush não refrear os seus apetites sobre as repúblicas do Cáucaso! Ou se continuar a desrespeitar a geopolitica russa! Mas reconheço que os temas da entrevista são de uma actualidade extrema. Este comentário já vai longo, acirraste aveia, e sempre te digo que a 'casinha' que levamos às costas, essa sim, define um povo colonizador- que não muda e prefere mudar os sítios para onde vai, à sua maneira.
Um abraço.
Post.scriptum: Entrei mal com o Eduardo Lourenço. Gosta de Pessoa como eu gosto, mas é muito afrancesado para o meu gosto. Por outro lado, fisionómicamente, é parecido com o Salazar! Isso, não gosto nem desgosto.
Mas onde é que está a Jane Eyre, que não vem pôr o Gito na ordem?
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