domingo, 15 de abril de 2007

As bruxas

Não há muitos anos, para mim e para a rapaziada daquela obscura época, “bruxa” era uma figura feia, malévola e às vezes assustadora. Quando eu era pequeno, chamar “bruxa” era um insulto muito eficiente para “taquinar” qualquer das minhas queridas irmãzinhas. Sim, bruxa de vassoura na mão com unhas compridas e sujas, cabelos desgrenhados, furúnculo no nariz, vestido preto e chapéu de bico. A imagem mais benevolente do género era a das parceiras Maga Patológica e Mme Mim que juntavam a todos os defeitos o facto de serem desastradas, embirrentas, feias, más e queixinhas. Pior, mais horrenda e má que a bruxa da Branca de Neve, só a terrível madrasta da Aurora (Bela Adormecida) que, de uma elegante e sombria mulher fatal se transformava num pavoroso dragão para combater o bondoso príncipe Filipe, personagem a quem eu aderia, e na minha delirante imaginação incorporava.
Agora, nestes lustrosos e esclarecidos tempos, a moda é outra. Bruxa é outra coisa completamente diferente. A minha filhota pequena mostra-me todos os dias mais e mais simpáticas bruxinhas, de que é fã devota. Na televisão, na Internet e nas revistas, estas novas bruxas são mesmo boas e giras. São as Winx, as Witch, a Sabrina… tudo intrépidas, ágeis e esbeltas adolescentes, namoradeiras heroínas, na luta contra o Mal. Cabelos ondulantes, pernas esguias, olhos insinuantes com longas pestanas, lábios fofos de botox.
E então pergunto-me: afinal, que foi feito das fadas de antigamente? Sobram umas quantas nos bailiados do Tchaikovsky e nos clássicos da Disney em promoção por altura do Natal, e pouco mais. Consta à boca fechada que essas divinas e angelicais senhoras “de bem” estão desempregadas, fora de moda, da alta-roda e da agenda infanto-juvenil. Bom… Não me parece que em desespero e abandonadas se tenham por fim exilado em algum lar ou asilo. Ou então, será que essas jovens e virginais criaturinhas mágicas, deitadas ao desprezo, se tenham feito à vida voando pelos céus e retornaram, anónimas, para novas e contemporâneas ribaltas, para novas audições e concorrendo aos novos papéis? Por que não incarnarem na pele de belas e delicadas bruxinhas, de calças de ganga e sapatos da moda… sem esquecer a velha vassoura e varinha mágica, seu velho e reutilizável adereço?
Mas com estas trocas e baldrocas, a verdade é que fica tudo um pouco confuso e mentiroso para as nossas criancinhas. Fica a faltar um boneco, a figura, a má da fita, a simbologia da Morte e do Mal na vida, que, apesar de todos os relativismos, afinal sempre existe, existiu e existirá, mesmo se representado por uma mulher.

5 comentários:

cristina ribeiro disse...

Ó João,mas nós tinamos a nossa bruxa de estimação-aliás,duas,porque havia a bruxinha filha -,na série televisiva"casei com uma feiticeira".
Estar-se-ia já a preparar esta nova geração de bruxas simpáticas?

Anónimo disse...

Muito interessante a sua história, de facto já não existem bruxas más nem fadas gentis, foram substituídas, como nos conta, pelo relativismo em curso. Não há bem nem mal, e assim o mal é afinal relativamente bom. Quer dizer então que o bem não é assim tão bom! Deixa-te levar pela corrente, a corrente sabe o que faz...E quando estiveres definitavamente acorrentado podes enfim gritar...sou livre!!!

Anónimo disse...

sim senhor...
é isso é, deixa-te ir e logo vez o resultado final!

nem bem,nem mal,
pois sim...
a esse lugar não se chama meio termo,(se é que é essa a alusão a que pretende chegar)
chama-se vazio,
falta de estrutura...
postura, portanto!
é isso, deixa-te ir e não penses!

aliás essa teoria explica tanta coisa que se tem passado neste mundo e país...

Anónimo disse...

O/A anónima das 20.04 não compreendeu a minha ironia! Mas não era difícil. Mas eu compreendo a sua preocupação e fez bem em acentuar os perigos do relativismo que eu já tinha acentuado. Estamos a olhar do mesmo lado, simplesmente, eu olhei um pouco mais longe, nada de importante.
E volto a acentuar - um texto interessante.

Anónimo disse...

Que alívio!
Quer no contexto profissional, quer no familiar,tenho ouvido tantos absurdos nos últimos tempos, que infelizmente, frases como:
"E quando estiveres definitavamente acorrentado podes enfim gritar...sou livre!!!", são tudo menos ironia;
são posições ou estados de vida assumidos e desejados, para si mesmos e para os outros.

Então já nem escutam a ironia que dizem de si próprios.
Utilizam-na como arma de defesa e/ou arremesso contra qualquer tentativa de lucidez, vinda de dentro ou de fora...

Então João e caríssimo anónimo um grande Bem Haja, por tão lucidos e pertinentes texto e comentário.